Inaugura hoje às 22h na Galeria António Prates a exposição Arame Farpado, o mais recente trabalho do artista plástico Telmo Alcobia.
"Porque é que uns têm direito a ir e a passar e outros não?
Porque é que para uns as fronteiras se fecham e para outros se abrem?
Diante desta complexa situação muitos movimentos tornam-se invisíveis apesar de as rotas estarem bem definidas. Movimentos de cada vez maior vulnerabilidade perante o aumento da exclusão, da segregação, do estigma e da precariedade potenciam fortes tensões. Criam-se espaços e trajetórias de medo e de ansiedade difíceis de visualizar, que tornam ainda mais vulneráveis aqueles que querem ou são obrigados a sair daquele que consideram o seu país. A ambiguidade que se cria entre a visibilidade e a invisibilidade de muitas destas situações tem como base uma violência que se considera ilegítima, à luz dos Direitos Humanos, mas que ao ser produzida por grupos poderosos se torna difícil de combater.
Produzem-se ambientes de receio, de medo do ‘outro’ e os instrumentos ideológicos que daí advêm são muito bem pensados, blindando-se na linguagem que utilizam. Constroem um imaginário de medo do ‘outro’, do que vem, como se cada um de nós não pudesse também ir e chegar a um território onde também seremos ‘o outro’. Através de uma linguagem fácil, que se acomoda a qualquer circunstância, conseguem alcançar um efeito, aparentemente, clarificador e pacificador. Conseguem utilizar argumentos tão hábeis e astutos que, por vezes, neutralizam quem contra-argumenta, retirando-lhe a capacidade de questionar. Os meios de comunicação social mais hegemónicos limitam-se a replicar esta retórica e a reproduzi-la vezes sem conta para que se chegue a um consenso tranquilizador e sem conflito, e para que uma, aparente, paz vazia de significado prospere e o ‘outro’ continue a ser chamado de ‘outro’ e a turbulência que este possa provocar rapidamente seja silenciada. A ilusão e a hipocrisia dos discursos repete-se, mantendo-se igual o que estruturalmente está por resolver. Estes desencontros desencadeiam (in)diferença perante o ‘outro’, sentimentos construídos de insegurança e uma necessidade de vigiar e de controlar todos os espaços.
Perante a complexidade destes processos e as rápidas mudanças, também de comportamento, não é de estranhar que muitos procurem a segurança como reacção ao medo, ao ‘outro’, ao estranho, ao desconhecido, não se conseguindo libertar da constante produção de terror. A apropriação dos conceitos de segurança e de insegurança nos discursos apenas estreitam âmbitos semânticos que se reduzem e sedimentam em significados empobrecidos, querendo mostrar uma neutralidade política que não existe."
Excerto do texto Travessias de Ana Estevens.