Todos os anos espero fielmente pelo Festival Músicas do Mundo, como se ele fosse um amor de Verão, daqueles que todos os anos se revêem ao entardecer na praia. Somos filhos de Sines e tenho crescido com ele desde há 17 anos atrás, quando ainda éramos pequeninos. Foi no FMM que vi pela primeira vez os Gogol Bordello e me apaixonei pelo punk cigano, que me rendi aos ritmos africanos com os Staf Benda Bilili e aprendi a ouvir atranquilidade do solo de um xilofone e do choro de uma guitarra.
Este festival é mais do que um festival. As ruas enfeitam-se com tendinhas, os artistas de rua invadem as esquinas, o incenso junta-se ao perfume da maresia e a Praia Vasco da Gama recebe um mar de gente que chega de todo o lado. E o principal: a música partilhada. Não há festival mais generoso do que este. Aqui esquecem-se as fronteiras e há apenas uma comunidade que, com todas as suas diferenças culturais, fala a mesma língua - a da música, porque ela é de todos e do mundo inteiro. Escolhe-se até o sítio onde se quer ouvi-la, seja ao vivo na Avenida da praia, no Centro de Artes, no Castelo, ou nos ecrãs que emitem os concertos em directo, espalhados pelas ruas, a fazer palpitar de alegria o coração da cidade. A romaria começa com os concertos gratuitos ao fim da tarde no castelo, e depois na avenida da praia, iluminada pelo pôr do sol. E à noite a procissão repete-se. O mesmo sobe e desce das muralhas até a areia para ver os espectáculos nocturnos. Pára-se no caminho para matar a fome nos kebabs e a sede nas tendinhas de capirinha e cerveja fresca. E a festa termina na praia, coberta pela manhã nublada, a vista turva e a alma leve.
Este ano não foi excepção. Reencontrámo-nos em Porto Covo com Teta, o guitarrista africano que pôs a dançar o Largo Marquês de Pombal com música étnica de Madagáscar. Em Sines ouvimos o rock experimental dos coreanos Jambinai, a voz doce da soul de Melissa Laveaux, as críticas sociais cantadas por Nástio Mosquito, a tropicalidade da Colômbia com os Meridian Brothers, o novo fôlego do fado de Gisela João, também o reggae não podia faltar este ano, trazido por Mó Kalimity. Da Sérvia, com Shazalakazoo dançámos ao som da electrónica mesclada com ritmos africanos e do Sul da América, Angelique Kidjo veio para provar que a idade não mata a energia para abanar as ancas e apelou à paz no mundo, tal como os Balkan Beat Box que rezaram o cessar fogo na Palestina e Israel, iluminados pelo fogo de artifício que todos os anos rebenta em jeito de despedida. O adeus final foi ao som dos franceses ACID ARAB, a dupla que casa na perfeição as duas metades do mundo: o house ocidental e o transe oriental.
É esta a magia do FMM: poder viajar não só no espaço, de oceano em oceano, mas também no tempo, desde as raízes da música às novas sonoridades de hoje em dia. E é sobretudo apercebermo-nos da dimensão relativa dos lugares que nos parecem tão pequenos, por estarem vazios durante o ano, como a avenida da praia, o castelo, ou o largo da igreja, mas que na verdade são tão grandes que lá cabe o mundo inteiro.