Imagem de capa: Sem título (Paisagem da Virgínia) | 1943 | Colecção CAM | Arshile Gorky.
Nesta nova exposição da Colecção do CAM orientada segundo quatro grandes temas: o Retrato, a Natureza-morta, o Surrealismo e a Abstração, diversas obras de artistas portugueses dialogam com a obra de Arshile Gorky. Do leque de artistas portugueses fazem parte Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy, Vieira da Silva, Mário Cesariny e Paula Rego.
Gorky tem origem arménia e esteve emigrado nos EUA em 1920. Gorky desenvolveu uma pintura aliando abstracção e surrealismo, constituindo um forte estímulo ao Expressionismo Abstracto americano do pós-guerra.
Arshile Gorky é um artista ainda pouco conhecido do grande público português, ainda que tenha adquirido recentemente uma maior notoriedade internacional, a partir da exposição retrospectiva da sua obra organizada pelo Philadelphia Art Museum em 2009-2010 (apresentada seguidamente na Tate Modern, Londres, e no Museum of Contemporary Art, Los Angeles). Em Lisboa, tem sido exposto com alguma regularidade na Fundação Calouste Gulbenkian onde, devido aos laços arménios, o pintor se encontra representado com três obras na colecção do CAM.
Sob a presença tutelar de Cézanne – artista autodidacta e o primeiro dos grandes mestres que Gorky cuidadosa e disciplinadamente investigou –, vários foram os artistas que Gorky escolheu para a sua aprendizagem solitária: às obras de Picasso e Kandisnsky, seguiram-se Léger, De Chirico, Picabia, entre outros, até chegar à determinante influência do Surrealismo, que surge como o grande catalisador dos seus trabalhos da década de 1940.
Obras de cariz abstracto mas profundamente enraizadas numa transfiguração de dados sensoriais, em cujo filtro Gorky colocou a poção surrealista que lhe permitiu estabelecer as férteis alianças encorajadas pelos principais textos do movimento. Gorky libertou-se da figuração dos seus fantasmas e de si mesmo – visões capturadas nos vários Retratos que realizou –, para explorar através do automatismo e da pintura mais fluida e rápida – sob a influência da pintura de Roberto Matta –, uma nova revisitação da sua infância, preenchida com visões e sensações fugazes como nos sonhos, de memórias felizes e traumáticas, onde passado e presente se misturavam.
Tríptico | 1964 | Óleo e colagem sobre tela | Colecção CAM | Paula Rego
Gorky absorveu, de uma forma praticamente autodidacta, a influência de artistas europeus, sobretudo franceses, demoradamente observados, a partir de meados da década de 1920 em exposições nos museus e galerias de Nova Iorque – como a exposição International Exhibition of Modern Art apresentada em Novembro de 1926 no Brooklyn Museum –, ou através de artigos publicados em revistas – sobretudo a revista vanguardista Cahiers d’Art, com início de publicação em Janeiro de 1926 –, que não deixava de comprar apesar de muitas vezes não ter dinheiro para viver.
O seu compromisso com a arte, com o propósito de tornar-se artista e de ocupar uma posição de destaque na evolução da arte moderna, representou uma entrega total, em que o dom natural para o desenho e para a pintura se aliou à inteligência na observação e à compreensão através do trabalho. Gorky, a quem o historiador de arte Meyer Schapiro, que com ele se cruzava nas exposições, chamou ‘um febril escrutinador de pintura’, observava horas a fio as pinturas que mais lhe interessavam, muitas vezes formando um óculo com as mãos que lhe permitia concentrar-se num ou noutro pormenor que queria identificar e definir com maior clareza. Willem De Koonong, seu amigo próximo e um dos primeiros admiradores confessos de Gorky, declarou a este propósito: “Eu vinha de um ensino artístico regular na Holanda mas as coisas que eu era suposto saber ele sabia muito melhor. Ele tinha um instinto invulgar para toda a arte”.
Refoulement | 1936 | Colecção CAM | António Pedro
Ao contrário de vários artistas portugueses, que procuraram em Paris a liberdade que não lhes era permitida pelo academismo oitocentista da escola portuguesa, Gorky nunca viveu em Paris (ou mesmo na Europa) nem foi aluno da Academia Julien ou de Kandinsky, como inventivamente escreveu numa apresentação autobiográfica. Uma das suas facetas mais desarmantes foi a constante composição de uma persona artística que lhe permitiu sobreviver, não apenas no eclético meio nova-iorquino dos anos de 1920-1930, como perante a sua trágica condição pessoal, que parece ter-lhe imposto o final em 1948.
Gorky suicida-se na sequência de uma série de desastres pessoais e profissionais.