MÚSICA

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Fotografias: Ângelo Mendes.

Não é um piano. Isto não é um cachimbo. Definitivamente, um piano não é somente um piano. É-o, torna-se quando tocado por Tigran Hamasyan. De nada serve um cachimbo sem tabaco. De pouca utilidade se revela “um instrumento musical cujas cordas são percutidas por martelos accionados pelas teclas” (wikipedia) se não for explorado em toda a sua complexidade. Tigran fá-lo com um fulgor e inventiva de poucos. E de forma prodigiosa, termo que mais frequentemente se associa a este arménio de 26 anos.

Entre o final do concerto e o primeiro encore, Tigran sai lentamente do palco. Os diferentes pedais ficam ligados e em loop mantêm-se as harmonias que deixaram em êxtase completo o esgotado e rendido Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém. O público exigia e o músico retribuiu prontamente. Ao fim de quase duas horas a intensidade e a relação de cumplicidade mantêm-se entre nós e ele.

No Verão passado, na edição do Festival de Músicas do Mundo, num início de noite, no Castelo de Sines, e após uma rocambolesca perda de ligações aéreas de Trilok Gurtu, percussionista indiano que o deveria acompanhar, Tigran explanou todo o seu virtuosismo tanto no registo clássico, como em divagações mais experimentais, jazzísticas e electrónicas, com recurso a teclados elétricos, ou étnicas, onde a introdução de vocalizações do próprio permitiam tecer uma manta que paulatinamente ia cobrindo o espaço do palco às muralhas. Silêncio tocado. E duas certezas: o prazer da descoberta, não será uma das preocupações dos programadores dos festivais contribuir para tal? e a vontade, mais do que muita, de o rever.

Numa noite de Inverno, chuvosa e num espaço completamente diferente, as peculiaridades do compositor mantem-se inalteradas. No último concerto da digressão, os temas são recriados num registo longo, excepção do terceiro, a que se incorpora uma multiplicidade de variações rítmicas assinalável. Longe, muito longe de uma esquizofrenia compositiva, próximo, muito próximo de uma exploração sonora quase sem limite. Uma viagem sem coordenadas composta por universos cinematográficos de Eisenstein, das estruturas etéreas a relembrar Hector Zazou, das vocalizações algures entre Les Mystere des Voix Bulgares e Maria João, de um registo aparentado ao “jazz clássico”, a evocar concerto que tivera lugar anos antes, e bem próximo dali, de Bernardo Sassetti e, por fim, os temas de matriz mais acentuadamente electrónica, que podiam perfeitamente encaixar na programação de um festival como o Sónar.

Música transcendente, de fino recorte, reflexo da pluralidade e diversidade contemporânea. A ser (re)absorvida por todas as plateias curiosas.

Video: Vincent Moon

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