Fotografias: Luís Martins.
Rádio, papel e lápis; cassete e fita-cola. Fechar a porta. Nessas horas isolamento total. Uma cápsula indestrutível. Genérico a começar, primeira música e Rec. Stop ou Pause. Rebobinar. Apontar banda e tema. Confirmar quantidade de fita. Procurar nova cassete ou na falta dela, fita-cola para tapar aqueles dois buraquinhos. Termina o programa. Relaxar. Ouvir outra vez. No dia seguinte, no intervalo das aulas, discutir, com o resto da malta, sobre a distorção mais escandalosamente perfeita.
Em Lisboa ou Porto, Maia ou Gaia, Barreiro ou Seixal o procedimento deve ter sido mais ou menos igual. E assim mais um para o bando. O bando dos “maluquinhos da música”. A partir daqui escolher a melhor forma de expressar esta insanidade. Sótão ou garagem, guitarras, baterias e amplificadores e desatar a berrar; pegar na bic, marcadores e gravador e uma zine publicar ou alugar barracão, falar com a associação e substituir o rancho e a filarmónica pelo punk, rock, avant-garde, new wave ou brötzorn. O quê não existe este último? Duvido. Cada um, cada estilo. Era assim à época.
E passados vinte anos, na era de Youtube e Facebook o procedimento é mais ou menos igual. Há concerto na ZDB (www.zedosbois.org)? Desconheço quem vai lá tocar? E que mal? Uma ou duas músicas na internet e, na falta disso, confiar nos programadores. Concertos que marcam. Marcam pelo inesgotável prazer da descoberta, por poder conversar com quem só conhecia através dos posters, com amigos entre o bar e o “aquário”, de saber que não preciso marcar, nem telefonar para ver as caras que se tornaram familiares.
Pela música entrei e pela curiosidade me movo. Gosto do “aquário” e de ver as pessoas da rua espreitar. Mas fui descobrindo que por outras tantas salas do edifício branco, da fachada com janelas em simetria e de porta a lembrar portão de quinta se pode ter acesso às mais estimulantes exposições na área das artes visuais. Para ver, mas sobretudo para questionar e questionarmo-nos. E que continuando a subir, até ao terraço, disfruto não só de uma das vistas mais bonitas do Bairro Alto, como me deixo levar pelas projecções de documentários em alçado de edifício alheio nas longas noites de Verão.
Mas ZDB não é só Rua da Barroca. É, e muito, Rua de O Século, o do Negócio, das artes performativas. Uma das últimas performances levava-nos a percorrer as ruas com smile desenhado em balão amarelo e largá-lo. Sinal de esperança para um país e cidade que teimam em patrocinar a mediocridade? Sinal que a arte pode funcionar como elemento libertador? A libertação de nós mesmos? Também fomos juntos com aquele balão amarelo?
Quando no início de 2012 lançaram a campanha de sócios (www.zedosbois.org/events/campanha-de-socios-ze-dos-bois-2012) não hesitei. É uma pechincha. Asseguro-vos. Trinta euros por ano – três concertos à escolha, outros dez a designar pela ZDB, duas sessões gratuitas no Espaço Negócio e ainda gratuitidade nas sessões de Cinema no Terraço e nas Exposições.
Sim. Quando olho para aquele double deck, preto, com o leitor de cassetes e antena em metal espero que saia daquelas colunas a voz do António Sérgio a apresentar a última novidade, a nossa banda. E sim, também guardei o primeiro cartão de sócio da ZDB; na esperança de uns anos mais tarde poder afirmar – “Foi aqui que tudo começou.”