Fotografias: Vera Marmelo
As colinas e os trilhos dos eléctricos, a massa de água imensa a que teimosamente continuamos a dar-lhe o nome de rio e as pontes gémeas com os pilares em margens incertas. Não por acaso São Francisco e Lisboa frequentemente se comparam. Wishful thinking lisboeta ou não, como alguém lembrava na plateia durante o concerto de Bill Orcutt (ZDB 25.10). Certo é que passado menos de uma semana, nova visita de outro músico com ligação à cidade da costa oeste e que tão dificilmente esquecerá a nossa – Jessica Pratt.
O tom melancólico e cristalino da voz, a guitarra suave e planante ocupam na perfeição o ponto que sempre deixamos entreaberto para as recordações, para nos alimentar de imagens passadas e que nos amarram ao presente. “Estou bem aonde não estou porque eu só quero ir aonde não vou” – a meia viagem, a inclinação mas nunca a decisão. Um novo fado? Perante ausência de resposta categórica, acredita-se que os portugueses se sentem confortáveis nesta calha e que, talvez por isso, acolhem tão fervorosamente, no que de contraditório tem esta manifestação com o tom melancólico, artistas que evocam um estado de alma adormentado, que elegem a intimidade para a criação, melodias curtas e evocativas de um mundo mais idealizado do que manifestado. Entre a folk e o dream pop, temas como Wrong Hand, Greyecedes, Moon Dude, Own Your Love Again, que dá título ao seu segundo e mais recente trabalho editado este ano pela Drag City, ou mesmo Back, Baby são cantados e contados com mestria sublime. Histórias curtas, mas nem por isso simples. São o ponto de intersecção entre o vivido e o carimbo que ilusoriamente se apaga – One too many dreams I had before/ And they play in my mind/ See you standing where you stood alone/ In my mind, in my mind (Wrong Hand) ou Run around, run around/ Run around, run around (Strange Melody), viagens circulares em que dificilmente se indentifica o centro e muito menos o seu fim.
Uma noite de casa cheia, público rendido ao encantamento da voz de Jessica Pratt e à sua figura frágil, bem acompanhada à guitarra eléctrica e que não desafina, para grande inveja da própria e com direito a dois temas num encore que serviram como coroar de uma noite de preces à chuva – Sometimes I pray for the rain – de olhar através de uma janela a ver quem passa, de contemplação, porque um suspiro longe de ser resignação pode ser afirmação de um estado de alma.
Aos amantes da folk a espera não será longa. Vashti Bunyan, já esta Sexta, no Teatro Maria Matos praticamente esgotado, e sobretudo porque tendo em atenção os posts de Jessica Pratt a visita ao nosso país deixou boas recordações. Um regresso seu mais do que desejado é vontade que se quer ver concretizada – We all pray for that.