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“A prayer for the wild at heart kept in cages”

Thomas Lanier Williams nasceu no Mississipi, em 1911. Filho de Cornelius, um caixeiro viajante alcoólico, foi criado em casa do avô. A mãe, Edwina, tinha tendência a depressões e a irmã, Rose, foi diagnosticada com esquizofrenia e passou a vida a entrar e a sair de hospitais psiquiátricos. Enquanto tudo isto acontecia, Thomas refugiava-se no quarto, rodeado de animais de cristal.

Setenta e um anos mais tarde, Thomas era agora Tennessee. Depois ter perdido o pai, o avô e o companheiro, Frank Merlo, viria a morrer num quarto de hotel em Nova Iorque, vítima de uma vida inteira de abuso de álcool e drogas.

Poderia ser ficção, mas não. É, em traços largos, a vida real de Tennessee Williams, cuja obra foi sempre alimentada pelo seus próprios demónios.

“Da minha língua vê-se o mar”, dizia o Vergílio Ferreira. Da língua de Williams, avistam-se pipas de madeira onde o desejo e a loucura são envelhecidos juntamente com o melhor whisky do Tennessee. As emoções vão transpirando lentamente pelos poros, colando-se à pele como suor. Até que não têm outra hipótese senão entrar em ebulição. São explosões intensas e concentradas, impulsionadas pelo calor. Toda uma vida se revela, se define ou se transforma em instantes. Seja uma noite numa ilha, uma conversa numa cave ou alguns minutos numa praia em Espanha.

Quase todas as personagens de Williams são animais presos em jaulas. Algumas construídas pelos próprios, outras oferecidas pela vida (às vezes, é difícil perceber a diferença). É no Verão que ficam mais inquietos, atirando-se contra as grades, tentando encontrar uma forma de se libertar. Não interessam os arranhões, os deles e os dos outros. The heat made us mad. São momentos de verdade, outra temática importante na obra de Tennessee Williams. São as verdades que as personagens sabem, como Catherine em Bruscamente no Verão Passado, que as levam à loucura. Seja por não as conseguirem contar ou viver, ou por as repetirem incessantemente e ninguém ouvir. É por isso que a frase que dá título a este texto é, para mim, a definição perfeita para Tennessee Williams (curiosamente, é originária de uma peças mais atípicas, Stairs to the Roof).

A obra de Williams é uma oração contínua aos que nunca se conseguiram libertar dos seus vícios e fantasmas. Incluindo ele próprio, a mãe e a irmã, tantas vezes espelhados nas personagens que criava. Mas como diria o Tom Waits, “if I exorcise my devils, well my angels may leave too”. Acho que o Tennesse Williams concordaria e, por isso, fez sempre questão de manter os seus por perto. Na vida e na ficção.

“I never cared whether i shocked people because i think people shocked with the truth are not deserving of the truth. And the truth is something one has to deserve.”, Tennessee Williams

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