DIÁRIOS DO UMBIGO

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Volto a Algés para mais um dia de rock, nuvens e pernas ao léu. O segundo dia avizinhava-se bem melhor para mim já que tocavam Jurassic 5 e Depeche Mode. O Violator ainda é um dos meus discos de cabeceira, vinte anos depois.

O recinto parecia querer encher mais que no dia anterior, portanto há mais coisas para ver. Os primeiros concertos do dia são acompanhados no chão, no meio daquele pó todo. Por todo o recinto fala-se em espanhol e inglês, como se estivéssemos no Algarve. Os calções continuam curtos, felizmente, e o sol parece querer espreitar, depois de alguns breves momentos de chuva molha-tolos e escritores do dia anterior.

Rumo ao palco Heineken para ver a minha primeira banda do dia, uns tais de Diiv. Putos guedelhudos a lembrar Nirvana que tocam um rock que ameaça esvair-se em psicadelismo de guitarra em feedback com bons momentos pop pelo meio que, infelizmente, se perdem acusticamente. A menina da frente de palco bem que se esforça mas o som não está à altura. Consigo descortinar bons temas que me fazem lembrar os saudosos anos oitenta no bairro alto e fico-me por ai, senão iria recordar-me de amores e desamores e não era altura para isso. Guitarras em reverb com melodias melancólicas e nostálgicas são a minha praia mas entretanto o concerto acaba e é tempo de outra peregrinação.

Voltei à Escola

No palco principal tocam os grandes Jurassic 5 que eu tenho o prazer de conhecer. Não pessoalmente. Hip Hop old school com samples do funk à séria, vozes seguras e dose certa de scratch. A meio do concerto os dois DJs avançam para meio do palco para nos brindarem com uma performance do demónio, um deles enverga uma guitarra-vinyl, algo que seguramente adoraria ter na minha sala. Impressionante. Mas o melhor momento foi ver que um dos supostos adereços, um gigante disco de vinyl a meio do palco, não era um adereço.... o Disco tocava mesmo. Fiquei de boca aberta e acho que entornei o resto da cerveja. No final do concerto concluí que foi, até agora, um dos melhores momentos, uma lufada de ar fresco no meio do guitarrismo de barba e calça apertada que se toca por aqui. Mas ainda vamos a meio do festival.

Volto ao palco pista-de-dança para apanhar a Yen Sung a debitar discos, um groove competente mas pouco arriscado. Pensei que iria buscar os velhos clássicos mas nem por isso.

Aproveito para jantar e descubro que há uma barraca de noodles. Cinco euros depois e volto para o palco da Heineken de pauzinhos na mão, mas esqueci-me da cerveja. Sentado no meio de uma multidão faminta na zona das comidas consigo vislumbrar um bocado dos Rhye mas o som estava ou demasiado calmo ou demasiado baixo. Finda a refeição apanho ainda um bocado dos Editors no palco principal, e aquilo não me soa nada mal. No palco do Clubbing está outro puto dos computadores e aquela barraca está cheia de crianças e por isso decido que sou velho demais para aquele som.

Conto os minutos que faltam para os Depeche Mode e depois de mais uma pequena deambulação pelo recinto, onde descobri ainda mais um palco (um coreto decorado com franjas douradas), dirijo-me para a zona principal mas algo detém o meu caminho.

A Tânia também dança aqui

A minha dançarina desajeitada estava junto do Clubbing com um grupo de amigas. Fico parado a observá-la ao longe e lembro-me daquela noite no Lounge onde ficámos a conversar até tarde. Depois disso não a tinha visto mais e a saudade apertava. Sorrio e vou lá falar com ela.

Um Olá Tânia e dois beijinhos depois, ela apresenta-me as amigas e eu não escondo o embaraço. Sou um rapaz tímido e gosto de conversas a dois. Multidões enfrento-as com a escrita. Ela parece contente por me ver mas não consigo conversar muito tempo. Elas apressam-se a deixar-me com um banal adeus e eu fiquei especado no meio da barraca com as mãos a abanar. Pensei que poderia estar um bocado com ela para me ensinar mais uns passos de dança.

Esse momento quebrou a minha excitação para ver Depeche Mode. Regresso cabisbaixo ao palco principal e assisto a umas duas músicas que não me soaram familiares. Aquela vontade de ouvir uma banda da minha altura esvaneceu-se após aquele encontro. Volto para o Clubbing e encosto-me junto à regie, era o único palco vazio àquela hora.

Oiço uma voz de menina chamar-me. Volto-me e está uma rapariga sentada junto de mim a fumar uma erva que me fez regalar os olhos. "Estás aqui a trabalhar?" pergunta-me, observando a minha credencial. Digo-lhe que estou a escrever e ela fica interessada. "Estás com cara de quem precisa disto, toma".

Fico a olhar para o charro estendido à minha frente e lembro-me da última vez que fumei uma boa erva. Duas ou três passas depois ela continua a conversa. "Gostas de Depeche Mode?" pergunta com ar de mulher feita. Diz-me que é uma banda que não lhe diz muito e eu sinto-me ainda mais velho. Recomenda-me ir ver Crystal Fighters e eu faço uma nota mental, para não ter que sacar do meu bloco de notas e sentir-me ainda mais velho por não ter um daqueles coisos inteligentes que também faz chamadas.

Disse-me adeus tão rapidamente como me disse olá e eu percebi que estes encontros repentinos fazem parte do festival, mas só eu queria levar aquela rapariga no bolso. Mais refeito da estúpida tristeza que me assolou há momentos, rumo ao palco Heineken mas não se passava nada.

Chegar ao Céu

No Coreto algo estava prestes a acontecer e eu encosto-me para assistir. Uma rapariga alta e gira atira-se ao computador e ao microfone para me brindar com uma pop electrónica a fazer lembrar o melhor de Björk. Gostei mais dela que dos Disclosure ontem. Yellow não pára quieta e tem uma satisfação tão genuína em cantar-nos as suas músicas que eu fico rendido. Bem podia chamar-se Golden porque foi ouro.

No final volto ao palco Heineken e ainda vejo o Jamie Lidell. Ora ai está um rapaz que tem o groove na ponta da língua. Luzes em azul ao mínimo enquanto atacam uma soul moderna muito competente. Mas ao longe algo chamava por mim e vou a correr para ouvir a Personal Jesus. Caramba, ainda soa bem depois destes anos todos. Vejo o final do concerto, encore e tudo, e sinto que havia muito mais gente que no dia anterior. Gente mais velha, estou em casa portanto. Mas tudo me soa demasiado formatado, grande espectáculo sem aquela espontaneidade que me faz vibrar com concertos. Há qualquer coisa de errado em mim, deve ser isso. Ou se calhar foi de ouvir a Halo em versão acústica.

De passagem pelo palco Clubbing deparo-me com Metro Area e fico para ouvir. Gostei daquela dança, e não sei se eram DJ's ou músicos mas caramba, aquilo foi tão bom que me lembrei dos passos de dança que fazia na altura quando era um boémio sem culpa nenhuma. Se calhar ainda sou, e aqueles dois rapazes da minha idade fizeram-me lembrar isso.

Como adorei estar no coreto há umas horas atrás volto lá para ver se sou surpreendido novamente. E o mundo desabou ali naquele momento. Depois da electrónica divertida dos Metro Area deparo-me com Vahagn & the Sky People. Jazz House com percussão, guitarra e piano, com uma vocalista que me arrepiou as entranhas. Que é isto?, perguntei em voz alta. A herança da música de dança antiga com uma pitada de psicadelismo em bouquet de Jazz espiritual. Merecia um gin para acompanhar.

Ao Segundo Dia, a Rendição

Escrevo as minhas notas do dia e sinto-me mais em sintonia com este espírito de festival. É impossível acompanhar tudo, há que fazer escolhas, mas quatro palcos é demasiado. Provavelmente perdi muita coisa boa mas só dois ouvidos e duas pernas não chegam. A falta de gin fez-se sentir, especialmente quando estava a dançar no Clubbing mas comecei a compreender melhor o que significa um festival de verão.

É natural portanto que haja aquela agitação jovem em andar por aí em liberdade, fora das convenções da vida normal, esquecer um bocado que somos adultos e cometer alguns excessos, mesmo que isso signifique ter que bebericar aquela cerveja. Mais uma vez não senti o apelo dos concertos principais do dia. Os Depeche não me fizeram vibrar e só gostei de ver Jurassic 5 porque consegui escolher o sítio certo. O som naquele palco gigante não é o melhor para guitarradas, concluí. Mas o dia seguinte iria fazer-me engolir essa conclusão em seco.

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