Vim ver o futuro e ainda não sei se me agradou. A perfeição é uma coisa que me faz um bocado de espécie. Mas comecemos pelo início. A opinião sobre Singapura é sobretudo uma questão de dinheiro: tê-lo ou não. Onde uma cama de dormitório começa nos vinte dólares e uma cerveja nos dez, não é pêra doce ser backpacker.
Coisas essenciais resolvidas – cama e cerveja – fomos para as ruas começar a experiência sociológica e, senhores, é uma era à parte. Já toda a gente sabe da limpeza das ruas e da educação do povo e dos hábitos, começamos logo por receber um papelito agarrado ao formulário de entrada no país a dizer que drogas aqui dá morte. Chiça, assim tão à bruta, uma pessoa até tem que se ir certificar que não é dealer de certeza.
No metro, depois de usarem as escadas rolantes correctamente, ou seja, paradas de um lado ou a ultrapassar pelo outro (foi tão bonito ver isto a resultar pela primeira vez!) as pessoas, que estão sempre vestidas à Vogue, fazem duas filas à entrada das carruagens deixando, claro, uma faixa no meio para que quem quer sair possa de facto sair. Sem ter que lutar qual salmão contra a cascata como no Marquês em hora de ponta.
Depois são as estradas vazias e os transeuntes firmemente à espera do sinal verde para passarem. A olharem para nós, quando atravessamos mesmo assim, como se fôssemos O selvagem de visita ao hermético e admirável mundo novo.
O mercado de rua aqui tem stands de madeira melhores do que muitos dos quartos em que fiquei e o mesmo posso dizer das casas-de-banho públicas. Há stands de marisco em que as pessoas comem de luvas, há música ambiente e não há vestígios de lixo em nenhuma parte. Isto e Banguecoque é tal e qual.
Fomos a uma festa de anos sem querer e aí encontrei um enorme grupo de portugueses felizes. Juro, existem! Todos me contavam o bem que ali estão sem reclamar de nada, sem aquele desejo irreprimível de voltar a Portugal, sem aquele cuspir no prato onde comem, não, estão bem, aqui as coisas funcionam e eles não estão frustrados por terem saído ou em passivo-agressivo por "não poderem" voltar. A vida aqui parece mesmo correr bem a toda a gente. Mas onde estão os escapes desta comunidade perfeita, onde está o devaneio, que loucura é muito?
Depois da festa um dos nossos novos amigos levou-nos a um bordel civilizado, perdão, a uma discoteca do futuro. Numa cave de dois andares apercebo-me de que sou a única rapariga que não está a trabalhar. Não há loucura, não há gente com os copos a disparatar, há miúdas. Estão sentadas e encostadas em todo o lado à espera. Não sorriem, não vão insinuar-se, não pedem bebidas, estão à espera. Civilizadamente. E é isto o escape, a libertação.
De manhã tudo recomeça, as pessoas perfeitas vão trabalhar de café na mão, depois do ginásio, para subirem nas suas carreiras sempre promissoras, o Governo vai decidindo quantos chineses, indianos e malaios devem nascer ou imigrar para a coisa ficar sempre perfeitamente equilibrada, as sandes e as cervejas continuam a ser um balúrdio.
Para mim é bonito vir ver um mundo diferente, limpo, organizado, asséptico, mas dois dias chegam para querer fugir a este antro de civilização amestrada e feliz.
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* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.