Num Exercício de Confundir por Alguns Momentos a Cópia com o Original da Pintura
Na cidade de Lisboa surgiu uma iniciativa de arte urbana organizada pelo MNAA que irá permanecer na via pública (nas ruas) até ao final do ano. Esta intervenção urbana foi inspirada da National Gallery, em Londres, há oito anos nos bairros de Convent Garden, Soho e Chinatown sob o título The Grand Tour. Como refere o Director do Museu: "Achei que tínhamos de fazer algo semelhante aqui em Lisboa. Esta mostra ao ar livre foi preparada durante vários meses em segredo para surpreender na devida altura os cidadãos. De facto, nunca tinha sido feito nada deste género em Portugal. Esta acção urbana de valências culturais provoca alterações de comportamento do cidadão porque ele é surpreendido por objectos invulgares e pouco comuns postados nos espaços exteriores da cidade. Trata-se da colocação, nas ruas de reproduções de trinta e uma obras-primas de pintura, da autoria de artistas Mestres Pintores Europeus e Portugueses como: Dürer, Brueghel, Pierro della Francesca e Cranach devidamente emolduradas e etiquetadas acompanhadas de uma ficha técnica cujo acervo pertence à Colecção do Museu".
A cidade interage com as réplicas das obras
Os quadros estão concentrados em artérias da cidade em zonas de grande afluência no Chiado/Bairro Alto e Príncipe Real em que as paredes dos edifícios passam a funcionar como salas de Museus. A ideia inicial é convidar qualquer transeunte, atraindo e chamando a atenção do público para uma visita aos seus originais para o interior do MNAA; sendo uma forma apelativa de promoção do próprio Museu, como instituição; até porque este museu detém um dos mais importantes espólios de arte portuguesa e internacional. Entre as composições que mais se destacam são os Retratos de Salomé com a Cabeça de São João Baptista, o Senhor de Noirmont de Largillière, Virgem e o Menino, São Jerónimo, a Senhora das Dores, a Virgem com o Menino e Santos, O Conde de Farrobo e a Família do 1º Visconde de Santarém e o Rei D. Sebastião.
Penso que é uma razão de louvar no plano cultural mas tenho dúvidas sobre a eficácia deste evento como mecanismo, de estímulo, visto que poderá ser mais aliciante apreciar património cultural no espaço urbano e não em recintos fechados. Bem sabemos que não são os originais! O desenvolvimento deste evento levanta outras questões que se ligam com o conceito sobre a reprodutividade de uma obra de arte na era actual baseada no ensaio basilar de W. Benjamin em que o original da obra de arte se prende com o conceito da sua autenticidade. Trata-se de um elemento que não é possível captar, a sua aura mesmo na reprodução da sua cópia mais perfeita fica sempre ausente e por captar. O público só consegue visualizar o ícone numa semelhança imaginária com o original. Mesmo na reprodução mais perfeita existe sempre um elemento ausente (W. Benjamin). Um dos objectivos é gerar deliberadamente um equívoco e ambiguidade, criando uma forte ilusão óptica por parte dos observadores, causada pela extrema perfeição dadas as técnicas avançadas de impressão e emolduradas com grande dignidade as obras reproduzidas.
As reproduções são de altíssima qualidade, em escala real e providas de molduras em madeiras e tabelas, tal qual são expostas nas salas de um museu, como refere o MNAA. Num primeiro momento, as pessoas interrogam-se se as pinturas são mesmo os originais ou apenas cópias. Obviamente que o enigma e esse mistério e esse mecanismo desencadeado pela dúvida permanece apenas alguns segundos. A cópia tornou-se quase tão central, num primeiro instante, como se fosse o original, mas sem possuir o carácter único da sua essência com a sua aura. Algumas réplicas têm sido furtadas desempenhando a função como se fosse um original, só que essas reproduções desaparecidas não possuem qualquer valor patrimonial. Para o Director, esta situação era previsível e também sucedida em Londres. Não deixa de ser curioso que o primeiro quadro a desaparecer tenha sido O Inferno. No espaço vazio, na Rua da Rosa, o museu instalou uma tabela com humor: retirada temporariamente para exposição privada, estando a ponderar a sua substituição. Não há vandalismo pelo facto de as pessoas levarem os quadros. Já houve até pessoas que queriam comprar algumas cópias. A exposição tem tido um grande impacto nas ruas, com os transeuntes a fotografar os quadros partilhando as suas visualizações.
No final da iniciativa vai existir uma publicação com todas as peripécias que revelam como a cidade interage e comunica com o público acerca das réplicas das obras. Tudo faz parte desta experiência através de um gesto e uma atitude que se tornaram profundamente contemporâneas até pelo contraste das peças serem de natureza antiga.