Fotografias: Filipe Braga.
Esculturas Envolvidas na Própria Arquitectura
No Museu de Serralves encontra-se a exposição Arquitetonização da escultora polaca Mónica Sosnowska (n.1972, Ryki), que vale a pena visitar ocupando uma extensa área, comissariada por Suzanne Cotter. Esta não é só a sua primeira exposição em Portugal como a maior mostra internacional alguma vez dedicada ao seu percurso. Foi feita uma selecção das suas obras, criadas desde 2003, dando-nos a conhecer a prática e as técnicas utilizadas, como o caso da construção de amplas estruturas em aço que depois as transforma, moldando-as ficando torcidas, deformando-as e apresentando-se numa espécie de coreografia de objectos, fazendo algo que se assemelha a uma reciclagem. "Construo as peças como potencialmente originais, depois transformo-as, mas não sinto que as danifique", explica a artista. Nas peças Escada e Mercado é bem visível essa técnica onde a forma surge retorcida e comprimida nos volumes, oferecendo-nos como uma pura obra de arte, liberta da sua funcionalidade ainda que mantenha os elementos suficientes para ser reconhecida como um objecto funcional, podendo ser-lhe dado uso caso fosse necessário. Vê assim a sua obra na materialidade do museu como um gesto "mais espiritual do que físico".
Trata-se de uma dezena de intervenções de esculturas poderosas de grande formato com diversos posicionamentos, ora suspensos, ora colocados directamente no solo, tendo como principal objectivo responder e articular com o estilo da traça do edifício de Serralves no plano arquitectónico. A mostra foi assim concebida em diálogo com a arquitectura do Museu tendo sido a intenção da própria escultora juntamente com a Directora do Museu poder responder face às particularidades das linhas do Arquitecto; onde a arquitectura não surge como pano de fundo, mas marcada por uma relação dinâmica com o espaço, produzindo um relacionamento bem-sucedido por vezes num efeito espectacular.
"Sou uma admiradora da arquitectura de Siza, e a minha preocupação foi responder a este desafio"
O título da exposição e a denominação das obras não é inocente dado que possui uma terminologia próxima da gramática da arquitectura e da construção. O termo Arquitetonização faz referências às experiências espaciais criadas pelo pintor Wladyslaw Strzemiski e pelo escultor Katarzyna Kobro, principais nomes do modernismo utópico na Polónia, que contribuíram para a sua formulação nos anos 30. Monika pretendeu de uma certa forma fundir consistentemente a linguagem da arquitectura com a escultura, enquanto forma expressiva num percurso único da sua linha de trabalho num todo coerente.
Na presente exposição apesar de existir uma linha condutora entre as diferentes obras apresentadas, torna-se mais esclarecedor definir dois tipos de trabalhos por um lado, surgem as esculturas propriamente ditas, que vivem de per si como objectos solitários e, por outro, as instalações numa tendência minimalista onde a arquitectura e a vertente espacial ocupam nelas uma função primordial. Na história das práticas contemporâneas dos Sécs. XX e XXI, as suas esculturas têm sido comparadas à obra de R. Serra e de V. Tatlin; por vezes torna-se difícil distinguir o elemento escultórico porque este participa activamente nos espaços arquitectónicos, não obstante o pensamento desta autora estar intrinsecamente centrado na escultura.
Estudou pintura na Academia de Arte de Poznan, tendo-se afastado gradualmente para se dedicar à escultura durante a Pós-graduação em Amesterdão entre 1999 e 2000. Os seus trabalhos incidem sobre o momento da transição, a passagem do tempo com a mutação dos valores históricos durante um determinado período, numa confluência de soluções visuais e plásticas entre o real e o ilusório, por isso somos conduzidos por uma obra que evoca antigas estruturas de múltiplos corredores, numa sucessão de portas dando lugar a espaços labirínticos de ilusões de óptica com a criação de espaços dentro de outros espaços. Na obra suspensa Fachada é elucidativo a referência aos edifícios na Polónia dos anos 60 e no modelo da arquitectura modernista.
Em certos momentos é a própria escultura que se impõe fortemente rompendo e rasgando com a própria arquitectura num exercício delicado como é revelador na sua instalação mais minimal o Buraco; o qual foi feito no tecto de uma sala com uma ampla janela a inundar de luz e os pedaços de gesso caídos no chão provocados pela fenda, sinal este, que é recorrente nos autores contemporâneos. Suzanne Cotter mostrou curiosidade em saber qual a reacção do arquitecto Siza Vieira a esta intervenção, podendo também ter uma leitura política de derrocada ou colapso de um regime que necessita de ser transformado num sistema renovado e mais livre.