Imagem de capa: Day Lot 01 – acrylic on canvas 121x182cm, 2013.
O artista plástico nova-iorquino, Steven Day, de 49 anos, responde a algumas questões colocadas por Susana Anágua. Nasceu no sol da Califórnia mas actualmente vive e trabalha em Nova Iorque. Entre o trabalho de estúdio como fotógrafo e pintor e o desafio da grande metrópole, o artista fala um pouco dos processos de criação e do envolvimento da Arte Contemporânea com o político-social.
Sei que passaste por uma formação prévia numa área das ciências mais exactas, como introdução ao teu trabalho queres partilhar como aconteceu a tua mudança para o campo das artes plásticas? E de que maneira podes descrever o teu processo diário?
Comecei por me interessar por arte durante os meus estudos prévios na Escola de Engenharia da UCSB (Santa Barbara, Califórnia). Um grande amigo pediu-me para ver as obras dele e falar um pouco sobre o que eu achava. Depois do meu comentário, a expressão do meu amigo foi: “bem, devias começar a pintar!”, e foi o que fiz. Parece meio naïf e inocente mas assim foi, se não fosse por este episódio talvez o despertar nunca tivesse acontecido e jamais teria pegado num pincel. Depois da minha licenciatura, aceitei ainda um lugar como investigador aeroespacial na DLR, Alemanha. Aquando da minha volta à Califórnia para retomar o meu trabalho como engenheiro, resolvi mudar-me para Berlim e tentar ser artista a tempo inteiro. Agora conscientemente sei que a minha formação em engenharia acabou por me levar a escolher temas e situações que se perpetuam na minha obra artística, tais como a relação da arquitectura percebida e o espaço vivido e transacional. Hoje interessam-me e atraem-me não-lugares, aeroportos onde a arquitectura e o espaço são suspensos no tempo e a vivência deles mesmo transacional.
O teu trabalho tem uma forte componente visual mas também conceptual e muito política até. O teórico Jean Luc Nancy refere que a arte deve ser acerca dos erros da sociedade e dos buracos do mundo mas que à mesma não lhe deve ser incutida a responsabilidade de uma correcção. Como sentes que o teu trabalho afecta a sociedade e que efeito tem no mundo? Como por exemplo fala-nos um pouco do projecto Astroland ou Stadium.
O mundo de hoje traz-nos a visibilidade imediata dos seus problemas, fossos, erros e em especial as dificuldades de sobrevivência do indivíduo nos seus habitats e culturas. O meu exemplo em particular prende-se com o modo e custo de vida numa cidade como Nova Iorque. O nosso presidente de câmara recentemente discursou sobre os artistas, jovens, e o que resta deles depois de terem sido expulsos da cidade por falta de suporte financeiro. Gentrificação é o termo encontrado para melhor explicar este fenómeno que afecta áreas especificas das grandes cidades e como tal uma das comunidades que afecta é a artística.
Astroland (10 vídeos) em colaboração com o artista David Pushkin, é uma obra que se centra à volta da trasformação desse parque de diversões dos anos 60 e do panorama de uma comunidade de habitantes e da ideia de como tudo se tornou em Coney Island.
Urbanistas desenvolveram projectos para transformar aquela área em habitações de luxo, capitalizando em cima daquilo que já era considerado um espaço carismático e com uma atmosfera extraordinária e particular. O resultado obviamente obliterou cerca de 100 anos da história de Nova Iorque.
Shadow Stadium (TRT 30;40) – HDV, 2012
Shadow Stadium, por seu lado, é um vídeo que explora a controversa destruição do Yankee Stadium (1923). As imagens em movimento assim como a fotografia do processo mostram a demolição e ao mesmo tempo a reacção dos residentes do Bronx ao assistirem ao seu estádio a transformar-se numa ruína. O estádio fazia parte da cultura local, dezenas de famílias e gerações cresceram com jogos de basebol na TV, mesmo Joe Luis, Muhammad Ali e Sugar Ray Robinson tiveram os seus combates de boxe naquele lugar. Mais do que arquitectura, este edifício era um lugar e acabaram por considerar menos dispendioso construir um novo estádio do que renovar o já existente. Situado em frente e no outro lado da rua esta nova construção demorará, concerteza, dezenas de anos a adquirir carácter e história.
Charles Baudelaire descreveu um artista moderno como um verdadeiro Flaneur e a Contemporaneidade obriga o mesmo a produzir mais do que a sua obra. Hoje ele é um funcionário multifacetado que o faz ter de estar em todo o lugar produzindo e criando oportunidades para mostrar e vender a sua obra. A minha questão prende-se com: como sentes essa capacidade e essas duas dimensões afectarem a tua carreira?
Eu acabo por ter dois momentos de trabalho, um de estúdio e outro de absorção nas ruas e na cidade ou campo. Mas sou mais de estúdio realmente. No entanto considero vital a saída ao mundo real por assim dizer, para ter contacto com amigos, artistas, e experienciar essencialmente a riqueza que a cidade oferece. Ando sempre com a minha máquina fotográfica, tornou-se um hábito que já nem penso, mesmo que a viagem seja de bicicleta ou de transportes públicos. Acho que é a iminência permanente de encontrar algo que me faz carregá-la. A percepção da cidade para mim é tudo, dos edifícios às pessoas, é daí que extraio os meus assuntos, imagens e trabalho, detalhes. Recentemente tenho-me interessado bastante por edifícios de habitação social dos anos 70 , tais como os do arquitecto Berthold Lubetkin's Cranbrook, Bethnal Green, em Londres. Encontro nessas estruturas algo fascinante na atmosfera cenográfica associada a cada país e cultura. Por isso se torna tão relevante o estar em trânsito também.
Cranbrook Estate (mace-street) – print 71x71cm, 2008
Após uma outra viagem a Portugal, Porto, tive a felicidade de me apaixonar e poder fotografar o complexo habitacional do projecto SAAL - BOUÇA de Álvaro Siza Viera dos anos 70.
No que diz respeito a mostrar o meu trabalho e agendar oportunidades, realmente hoje em dia não é fácil, no entanto as viagens também fazem parte desse processo.
Trabalho essencialmente com Galerias e Instituições de Arte mas no entanto alguns projectos colectivos obrigam a que sejamos nós mesmos a organizar, dinamizar e fazer acontecer.
Tento sempre viajar com os projectos de exposição mas nem sempre é possível como é o exemplo das feiras de arte ou festivais de vídeo nos quais tenho participado ou da última mostra de grupo em Moscovo.
No ano passado, a De-PICT foi uma exposição colectiva em Londres que me proporcionou através da Galeria Nosco estar também na Art 14, na Arte Rio e na SP Arte que são feiras de grande importância a nível internacional.
Acaba por ser uma sequência ou até simultaneidade de acontecimentos que o artista tem de se confrontar ao mesmo tempo que a sua própria produção artística, o que não torna nada fácil gerir o pensamento criativo e o racional.