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Fotografias: Xavier Almeida e Raquel Elvas.

O regresso. Nunca de ânimo leve. Deixar e reencontrar. Ínfimas vezes promissor como nas alegorias bíblicas, e muito raramente de contornos festivos. Ao que parte, o estigma do estrangeirado e, ao que fica, a amargura de não o ter feito. Então o confronto. O choque. Xavier Almeida arrisca. Regressa à terra, e acrescenta desafio maior, a casa dos pais, e com isto responde ao convite do Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense.

Residência Artística em Casa dos Meus Pais. Mais do que exposição é exercício reflexivo. Irónico, porque sincero, desmonta o conceito de residência artística. Longe das GMPA (Grandes Metrópoles de Produção Artística) opta por… Ovar. “Vontade em ir ao âmago”, como ele diz. Desenterrar memórias, escarafunchar gavetas, resgatar objectos e inquirir, inquirir sempre. Tudo o que fazemos merece ser preservado? Que imagens nos marcam enquanto comunidade? Que relação entre carácter e uso? Entre tempo e finitude?

Lentamente, projectado a preto e branco, arde um moliceiro (ou réplica à escala), um dos muitos que preenchiam a paisagem da ria de Aveiro. A quietude da água, em sintonia com o voo da chama. A imagem convoca uma certa melancolia, é pacificadora na sua aparência. O objecto associado a uma função já não existe. A geografia sentimental de muitos que com a apanha do moliço conviviam, ou que a recordam através de Uma Maré de Moliço de Alfredo Tropa, desapareceu ou quase. São agora suporte para visitas turísticas. A função é outra, e mais ou menos travestidos, homem e obejcto, navegam tristes. Não se trata de exercício revivalista, antes um alerta – O que se conhece da história? Da geografia? Que legado? A mercantilização dos ícones?

O ventre de uma dançarina. O ventre de uma sambista em corso carnavalesco. Carnaval como evento que se quer exportar, o de latitudes distantes. Quatro corsos de samba no meio de muitas dezenas. A imagem vídeo em loop sob um mantra sonoro de Tiranas de Guilhovai é outro repto lançado pelo autor. Aquele ventre, nada hipnótico, obsessivo, incómodo chega a ser. Incómodo porque o que vemos não interrogamos. Certeiro naquilo que nos caracteriza: a passividade, a letargia. Quantos de nós associamos as Tiranas a Ovar? E quantos de nós recordamos os Gigantones? Estrutura festiva, ambulante, em madeira e metal, e que Xavier Almeida encima com letreiro apelativo – WOW. Figura para percorrer as ruas e desmontar clichés (“a cidade do azulejo”, por exemplo), apelo à participação, chocalhar consciências, ou será pelo contrário, um sermão a peixes mortos?

No fundo, uma carta não só endereçada a Júlio Dinis, mas a todos os que visitam a “residência”. É procura e manifesto, também muito minha. Independentemente da origem, dos regressos, são inquietações recorrentes. Quantas vezes a vontade de passar tinta preta e recomeçar tudo, com sentido, com espessura.

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Residência Artística em Casa dos Meus Pais

De Xavier Almeida

Museu Júlio Dinis – Uma Casa Ovarense – Ovar

de 01 de Julho a 11 de Outubro de 2014

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