Imagens: Xavier Almeida.
Xavier Almeida. Já é a terceira vez que aparece por cá. A primeira na Residência Artística em Casa dos Meus Pais, depois com a Novela Pornográfica do Milhões de Festa e agora para apresentar Paisagens, a sua mais recente publicação. Há uma amizade que nos une, daí estar mais que justificada o enviesamento da escolha, mas há um reconhecimento da minha parte, e porque não um fascínio, na teimosia com que enfrenta os desafios e sobretudo um desafio que o leva a um questionamento permanente e mais profundo. Talvez porque a maior das certezas é a interrogação.
Como surgiu o convite para editares o livro Paisagens?
Foi a partir de uma nova editora, a Senhora do Monte. Houve uma altura na minha vida em que a Joana foi para a Colômbia. Andava um pouco mais solitário e talvez por isso pus-me a pintar mais e sobretudo paisagens. Sentia uma necessidade de fuga, não sei. Comecei a desenhar paisagens, muitas delas imaginadas, em formato muito pequeno. Quase exercícios onde ia experimentado diferentes técnicas. Nesta altura também me apeteceu desligar um pouco do que costumo fazer – as zines, as mini-histórias. Apeteceu-me ir para as paisagens, talvez um saudosismo. Dá-se o dia em que me encontrei com o Nuno Barroso, que é da editora, mostrei-lhe um ou dois, gostou, disse-me que só fazia aquilo quando eu estava bêbado. Os desenhos até são meio embriagados, há uma atmosfera turva naquilo. Há alguns que são quase só um detalhe de uma paisagem, assumidamente abstractos, pode ser erva, canaviais. Mostrei ao Nuno todos os desenho que tinha feito e ele convidou-me.
Nessa altura, e que tive a oportunidade de ver na exposição em Ovar, já trabalhavas esta ideia de mancha, do difuso, dos vários tons de preto.
Corresponde a uma altura sim. Há os quadros dessa exposição em que pinto as paisagens da Ria de Aveiro e também da imaginação. Sempre que vou a Ovar há lá uns pontos mais desertos, em que só vou contemplar, desenhar, fotografar, uma cena bué budista (risos). Faz parte de um período, de 2014 sensivelmente. Mas mais que os lugares é o processo de desenho que me dá essa fuga, esse exercício de imaginação. Deve haver um nome em psicanálise para isso, mas que não me recordo (risos). Já tinha feito vários cartazes, nomeadamente no Isto não é uma festa indie da Lovers. Havia já um interesse pela natureza e por trabalhar a saturação, dos pretos, dos azuis, ligeiramente mais abertos, mas sempre em torno daquela massa, da densidade.
Como é que fazes a transposição dos desenhos para a edição em livro?
Primeiro fez-se uma selecção. Dos 60 desenhos iniciais escolhemos 1/4. Para além do trabalho mais da editora, ligado à digitalização, há também o cuidado na paginação. Embora o objectivo não seja contar uma história, mas pelo menos que houvesse uma coerência entre elas. Há talvez uma espécie de pequena onda, se quiseres, zonas mais saturadas, outras mais ligeiras em contraste com outras mais soturnas. Tudo numa escala de preto, de cinzentos.
Lá no meio há dois textos, um deles é da Fernanda Fragateira, com quem na altura estava a trabalhar, e sei que ela aprecia os meus desenhos, por isso o convite surgiu naturalmente. Isto também foi muito discutido, se deveria haver texto ou não. Optámos por um objecto solto face aos desenhos.
Para lá dessa procura houve outros autores que te influenciaram?
Quando trabalhava com a Fernanda Fragateiro chamou-me muito à atenção o livro Liber Studiorum de João Queirós. Aquela forma de representar a paisagem marcou-me muito.
E nestas Paisagens. És tu que guias a mão?
É um processo muito instintivo. É quase força bruta. Não há planeamento, acaba por ser o momento. Há situações em que vês as montanhas, geralmente atrás, num em que aparece só uma pessoa, meia camuflada, há uma cruz quase indecifrável, outras são só nuvens, arbustos. São detalhes e sobretudo são representações que não correspondem, muitas vezes ao lugar onde estou. O facto de ter pintado uma montanha não quer dizer que esteja lá. Recortava as folhas, quase como nos livrinhos que costumo fazer, e durante duas ou mais horas limitava-me a pintar, a desenhar.
E o espírito crítico dilui-se nas montanhas?
Mas em relação a mim ou em relação aos outros? Em relação a mim penso que está lá.
Vais pintar novamente por cima das paisagens quando te sentires insatisfeito com elas como fizeste anteriormente com uns quadros teus?
Não penso que isso vá acontecer. Essas pinturas que pintei por cima correspondem a uma fase muito embrionária. Já não me revia naquilo. Neste caso não. O contexto é completamente diferente. São 15 anos de diferença.
A história que o autor apaga a própria história é já em si um título bem cativante. Deu-me logo vontade em pegar e folhear. Agora um singelo Paisagens, porquê?
A história que o autor apaga a própria história é chegar ao fim e não estar a gostar do que estava a fazer e começar a apagar. Esse livro é praticamente em branco. Este ficou só Paisagens por sugestão do Nuno Barroso. Ele achou os desenhos algo rebuscados e considerou-se Paisagens por ser um pouco irónico, marcar a diferença entre o título e os desenhos. É o primeiro livro que edito por outros, normalmente sou eu que os edito, é uma colectânea de ilustrações e desenhos e não uma história. Também por isso é diferente.
Falando da apresentação do livro?
Vai ser no dia 10 de Dezembro, numa espécie de herdeiro do Laboratório da Graça, um espaço que se chama Estrela (Rua Josefa Maria, 4B), no bairro Estrela d’Ouro na Graça. Vai ser a inauguração também deste novo espaço. Tivemos a preocupação de fazer pequenas melhorias no edifício. Decidimos mudar de nome, até porque o Laboratório era um antigo laboratório de análise clínicas, e também porque de certa forma estávamos mal vistos por alguns.
Acaba por ser caricato, mas antes de abrir, parece que já há um abaixo-assinado a circular. Lá por termos uma atitude mais transgressora, disruptiva talvez e de intervir na ferida, não quer dizer que não deva fazer parte do bairro. Nesta localização, estamos mesmo no meio do Bairro (risos).
E o que pretendem do Estrela?
O Laboratório era galeria/bar, mas acabou por ser mais bar/galeria. Agora vamos tentar que seja mais galeria/concertos. A apresentação do Paisagens surge como uma forma de pressionar a abertura do espaço. Estava tudo um pouco demorado, então nada melhor do que marcar uma data limite (risos). Tem que se fazer, estar lá aquela semana toda e a malta a ajudar. De repente toda a gente se apercebe e todos ficamos meio alarmados, o que é bom.
Aquele espaço era uma associação recreativa onde se jogava póquer. Um espaço relativamente grande, mas onde decidimos construir, à entrada, um cubo de 3,5x3,5 metros em pladur. Uma espécie de plataforma de intervenção onde vamos chamar os artistas. Isto corresponde a uma vontade em querer ter mais exposições, lançamentos de livros, concertos que incidam mais no final da tarde.
Voltando ao dia de apresentação.
Vamos ter um concerto da Jejuno, do Rabu Mazda e Van Ayres. Não por ser só malta da Cafetra, mas o som deles tem a ver com esta ideia de deformação, o da Jejuno um pouco com a construção da paisagem. O Nuno Afonso vai também passar discos. Ele é alto pró na música, também o conheço bem, onde passa montes de discos onde explora a cena atmosférica, da paisagem.