Prémio BESPHOTO
Encontra-se em exposição a 10ª edição do concurso na área da fotografia até ao mês de Setembro no Museu Berardo e que mais tarde seguirá para o Brasil, para o Instituto Tomie Ohtake em São Paulo. São projectos inéditos seleccionados por um júri de premiação, três artistas, sendo eles um português José Pedro Cortes (n.1976) com Um Eclipse Distante; um angolano Délio Jasse (n.1980) com Ausência Permanente e uma brasileira Letícia Ramos (n.1976) com Nós sempre teremos Marte.
Desde 2011 que o Prémio foi alargado a autores de expressão portuguesa no Brasil e nos Países Africanos devido ao reconhecimento internacional que começou a ganhar neste campo no universo contemporâneo. Qualquer dos nomes figurados propõe uma reflexão inteiramente diferente, pessoal no domínio da fotografia onde cada um se debruça com as particularidades e tendências inerentes aos seus percursos artísticos.
Na primeira sala, surgem os trabalhos de J. P. Cortes que trata da delimitação entre o espaço público e o privado, centrado entre os lugares e as pessoas que os habitam. Constrói num conjunto de narrativas sobre as práticas vivenciais dos lugares como na série costa onde as fotografias foram feitas na Caparica. Existe uma relação entre modelo e artista, no processo de busca da imagem, onde o corpo do nú feminino surge abertamente. A arquitectura é um importante elo de ligação com a vegetação que cresce livremente. "As minhas imagens são uma equação do meu estado das coisas. Aquilo que exponho não é um projeto mas uma visão sobre o momento da minha fotografia".
Délio por sua vez recorre a documentos encontrados e de arquivo, com os carimbos em passaportes dos Serviços de Migração, da saída dos passageiros, conferindo um aspeto oficial do Estado, propondo uma reflexão sobre o impacto do tempo passado no presente. Trabalha e manipula fotografias antigas de retratos anónimos de portugueses que viveram em Angola entre os anos 50 e 70 para criar através de uma montagem bem conseguida uma nova memória do período colonial, numa referência à sua série Além-Mar.
Explora as formas como o passado continua a ter força no presente. "A memória sempre foi para mim um tópico central, sendo sempre construída. Surge no encontro, nem sempre harmónico, entre o passado e o futuro". Jasse faz o tempo confluir de uma forma que nos confronta com a nossa própria efemeridade. O recurso utilizado a imagens de arquivo histórico para trabalhar a composição é por excelência uma técnica e expressão recorrente nos fotógrafos atuais dada a fascinação em torno desta temática. A disposição no plano cenográfico das nove peças é sem dúvida a mais cativante e original dos três candidatos ao Prémio, onde Délio criou um ambiente sombrio, para poder realçar as fotografias a preto e branco distribuídas no piso térreo como se fosse uma instalação de esculturas, cujos elementos centrais são a água e a luz. Estando atualmente também presente uma sua exposição Terreno Ocupado na Baginski.
Pensar a fotografia de uma forma reflexiva
Por último, surge o trabalho de Letícia que foi a vencedora do Prémio. A sua obra apresenta fotografias produzidas a partir do processo de microfilmagem assim como de uma curta-metragem de 35mm. O filme Vostok é acompanhado de um som poderoso realizado a partir de miniaturas, mostra a trajetória de um micro submarino à deriva nas profundezas de um lago pré-histórico submerso no gelo Antártico. O seu trabalho exposto tornou-se mais esclarecedor através deste filme. O título da proposta é uma referência ao filme Casablanca e à frase "Nós sempre teremos Paris" e evoca ainda a chegada da Curiosity a Marte, em 2013. O seu projeto fotográfico joga num compromisso constante entre a verdade e a ficção refletindo sobre a imagem verdadeira e a tecnológica bem como levanta questões sobre a evolução do meio fotográfico. "O meu trabalho sofre constantes mudanças. Não existe uma só direção mas vários lugares, é por entre eles que eu vou conduzindo a minha pesquisa".
Dos três concorrentes, o exercício de Letícia é o menos óbvio no plano estético/artístico, apesar de constituir um aspecto poético mas é o mais avançado e o mais exigente no plano científico, usando a fotografia para fazer experiências como os primeiros cientistas. O júri considerou que o seu caminho revela um amadurecimento da sua prática evidenciada pelas recentes exposições em São Paulo e em Porto Alegre no Brasil. Releva uma trajectória consistente centrada na investigação e, cujo processo de trabalho reflecte uma coerência na linguagem fotográfica, permitindo evocar outros imaginários. Neste contexto, foi premiado a prevalência de pensar a fotografia em termos reflexivos do que propriamente o trabalho artístico por si só.