Fotografia de capa: Jennifer looking the sea, 2015.
Foi das terras algarvias que surgiu The Behaviour of Being – a mais recente série de Pauliana Valente Pimentel – resultante de uma residência artística na zona de Castro Marim. O stress da cidade deu lugar à contemplação e a tranquilidade da vida no campo fez nascer uma série de imagens que ilustram o silêncio e a poesia da juventude. A exposição inaugura já este sábado, dia 23 às 19h, na Galeria das Salgadeiras e pode ser vista até dia 5 de Março.
Como resultado desta experiência Pauliana percebeu que "queria no fundo reflectir sobre a minha forma de ver o mundo. No fim percebi mais uma vez, que gosto de ter tempo, e que preciso de ter tempo para construir algo genuíno".
The Behaviour of Being mostra-nos o Algarve, um ambiente fora dos grandes centros urbanos que foge à azáfama da realidade actual. Como foram surgindo estas imagens silenciosas e contemplativas?
Este trabalho mostra um Algarve bem diferente daquele que imaginamos, com turistas por todos os lados e grandes hotéis que estragam completamente a paisagem. Existe também uma outra realidade, conseguimos encontrar locais idílicos onde a Natureza é esplendorosa e esmagadora, onde impera o silêncio e a contemplação. Os cheiros e sabores da terra e do mar. Foi este o ambiente que retratei numa zona em Castro Marim, entre Lagoa Velha e Monte do Eucalipto. As imagens silenciosas e contemplativas surgiram naturalmente do meu também estado silencioso e contemplativo a que este lugar convida.
Qual a tua experiência e como foi o dia a dia nesta residência artística?
A residência artística The Beekeepers convidou um grupo de jovens artistas, com diferentes práticas – pintores, escritores, performers, escultores, e no meu caso fotografia. A maioria vinha do grande centro urbano londrino, mas de diferentes nacionalidades. A ideia era quebrar com a rotina da grande cidade e criar durante 10 dias, num espaço onde éramos livres de produzir ao nosso ritmo e com total liberdade. A única coisa que tínhamos em grupo eram os belos jantares seguidos da mostra do trabalho, ao luar, com o céu estrelado, ao som de música e das cigarras. Também fizemos inicialmente, um passeio pelo terreno, para explorar o local, apesar de eu já o conhecer à seis anos e fomos todos um dia à praia – a Fábrica em Cacela Velha.
Trata-se de uma mostra para a qual criaste a tua própria narrativa. Que história contas, quem são os protagonistas e como te relacionaste com eles?
Sim basicamente, neste trabalho deixei que os dias fluíssem naturalmente. Como sabia que teria tempo e que ia sobretudo dialogar comigo própria, para além do digital, fotografei em película médio formato, o meu suporte preferido. Acordava cedo, próprio de quem está no campo, e deambulava pelos meus locais favoritos. Fotografei livremente e a minha única preocupação era estética e se a luz estava ou não demasiado forte. Esta zona do Algarve, é já como se estivéssemos em África. Estávamos em Junho, por isso existe uma altura do dia em que não consigo fotografar....a luz é demasiado agressiva. Claro que para além da paisagem que neste sitio em particular me interessa bastante, no meu dia a dia ia estando com cada um dos artistas, ganhando afinidades, mas a minha ideia não era retratá-los a cada um, até porque não os queria incomodar nas suas práticas ou influenciá-los. Dei por mim a estar mais interessada em alguns deles e nos seus momentos de pausa – ou porque a sua linguagem corporal me interessava, ou porque tinha passado uma bela tarde com um deles. Houve uma situação em que uma artista performer me pediu para fotografar a sua performance no meio dos campos secos de trigo. Tenho também registado a construção de um "abrigo" com paus.... mas é tudo muito subtil, e dúbio....não se percebe bem.
Respondendo mais concretamente à pergunta, os meus protagonistas são os artistas e o Henrique, um menino de cinco anos filho de um dos artistas. Eu preciso de tempo e intimidade com as pessoas para as fotografar, preciso que elas se esqueçam que eu estou ali....interessa-me retratar os seus momentos ....quase que suspensos no tempo. Olhando agora para esta projecto percebo que foi completamente influenciado pela interacção que tive com cada um destes artistas.
Dizes que foi uma forma de te confrontares a ti própria com a natureza e com a arte. O que extraíste a nível de percepção artística e a nível pessoal?
Para mim foi uma confrontação perfeita, por um lado tinha a Natureza esmagadora, que já a conhecia e de que tanto gosto. Todos os anos venho para esta região pelo menos duas vezes por ano, onde passo parte das minhas férias. Foi óptimo estar a trabalhar durante 10 dias intensos, junto de outros artistas, que me influenciaram e conduziram o meu trabalho, sem pensar, e de uma forma natural. Foi interessante ver como estes diferentes jovens trabalharam no meio da natureza e que materiais utilizaram (houve um dia que tiveram a pintar com tinta vermelha extraída dos figos do diabo). Foi também interessante perceber os seus hábitos do dia a dia – a leitura, o yoga, a escrita... eu própria dava por mim a querer escrever e desenhar. Queria no fundo reflectir sobre a minha forma de ver o mundo. No fim percebi mais uma vez, que gosto de ter tempo, e que preciso de ter tempo para construir algo genuíno.
Em Jovens de Atenas retrataste o tema da juventude que agora regressa com este novo trabalho. Poderá ser uma continuação dessa série em jeito de reflexão?
São séries diferentes mas que atingem a mesma faixa etária. Sim, pode-se dizer que a preocupação é a mesma – em Jovens de Atenas, retratei a crise e de que forma esta estava a afectar a sociedade. Depois com The Passanger o trabalho que fiz como resultado de uma viagem de comboio pelo norte da Europa ( Cosmic Underground) também ele foi pautado por um conjunto de jovens artistas, neste caso de comboio e a interagir com grandes massas. Sim, talvez The Passanger esteja mais ligado – fui ao encontro de jovens artistas e da forma como eles vivem.
Este trabalho foi lançado na Cob Gallery em Londres. Como foi a reacção do público?
Foi uma colaboração entre a The Beekeepers Art residency e a Cob Gallery em Londres. Infelizmente não havia verbas para levar os artistas a Londres, e por isso não consegui ir. Para esta exposição colectiva, resolvi fazer um slide show. As imagens eram gigantes e projectadas numa parede da galeria. O feedback que tive foi bastante positivo, recebi mensagens da curadora e dos artistas a darem-me os parabéns, e disseram que a inauguração tinha estado ao rubro. Todos paravam para ver o meu trabalho.