Com os olhos postos em África
Do grupo de finalistas do Prémio Novo Banco Photo 2016 com Mónica de Miranda (n.1976-Porto); Pauliana Valente Pimentel (n.1975-Lisboa) e Félix Mula (n.1979) foi distinguido este último, moçambicano, natural de Maputo. A exposição dos trabalhos dos três candidatos encontra-se no Museu Berardo até ao próximo dia 2 de Outubro.
Nos projetos, os fotógrafos utilizam África para as suas composições como espaço cenográfico, privilegiando a lusofonia "reforçando a troca e mútuo reconhecimento das práticas fotográficas neste quadro cultural que desejamos vivo e continuado", como refere Pedro Lapa.
F. Mula, o premiado, foi nomeado pelo Júri pela sua exposição Processos que decorreu na cidade de Maputo, em 2014. Antes de ingressar na Escola Superior de Artes da Ilha da Reunião, frequentou a Escola Nacional de Artes Visuais e o centro de documentação e Formação Fotográfica, em Maputo; tendo aprendido a fotografar com o seu pai aos treze anos, que era fotógrafo de estúdio. Tem participado em exposições e residências artísticas como artista plástico e é Professor no Instituto de Artes e Cultura, em Maputo.
No domínio da fotografia tem passado discretamente na cena artística pelo facto de tratar a fotografia como um meio conceptual, indo recolher histórias numa relação entre a memória individual e familiar. Embora o entendimento da prática fotográfica seja a base do seu contacto artístico, a sua coerência criativa revela-se igualmente nas instalações, com algum sentido de provocação. Dentro da mesma linha orientadora de peças anteriores, explora um conjunto de trabalhos fotográficos inéditos Idas e Voltas no Museu Berardo.
Quanto ao critério escolhido para o Prémio, o Júri privilegiou o projeto cuja proposta mais se centrasse exclusivamente no domínio fotográfico, atendendo à natureza do prémio, afastando-se, neste sentido, de um conceito mais alargado, que esteve na origem e na base do prémio da edição do ano anterior. O artista concilia a pesquisa pessoal das suas experiências vividas com as memórias dos locais que se encontram ao abandono e votados ao esquecimento ao longo dos anos, que se estendeu também junto das próprias pessoas. Debruça-se assim na ideia de ausência, cruzando imagens das construções que ainda perduram do sistema colonial português em Moçambique, tal como as cantinas, nome dado às lojas rurais; cruzando pontualmente com a representação de uma família que deixou este território após a independência.
«Para procurar as memórias do passado, foi mais fácil para mim pedir às pessoas para contarem histórias do que tirar fotografias» (Félix Mula)
No plano metodológico, o fotógrafo utilizou na sua pesquisa o processo de procurar ao vivo testemunhos orais de quem viveu esse tempo junto desses edifícios, registando esses dizeres que acompanham as suas fotografias, como este depoimento de uma senhora idosa da Barra do Limpopo: "Eu nasci aqui, mas nunca soube do verdadeiro nome desta cantina em frente à minha casa. Sei apenas que se chama Passa-passa. É tudo meu rapaz". Explica o autor: "Gosto de ouvir as pessoas; de trabalhar com as fontes familiares em vez das fontes ditas oficiais e de ter diferentes versões da mesma história". Trata-se de textos expressivos que sintetizam o universo do real, imprimindo no seu trabalho de contornos antropológicos, numa atitude participativa, explorando pequenas histórias contadas pelo cidadão comum. É uma nova forma de relacionamento do indivíduo e da comunidade com um mundo de uma trama cada vez mais complexa. Tem, aliás, uma especial predileção em criar o confronto entre a realidade e a ficção, onde a incerteza paira na atmosfera.
Na maior parte das suas fotografias, denota-se a tendência de uma ausência da figuração como se tentasse esconder algo através das atitudes incutidas na natureza humana. Estas imagens contrastam com as propostas das outras duas concorrentes, onde surge danças de corpos, de um desenho rico e intensamente coreografados, cada uma com o respetivo estilo e linguagem diferentes.
Qualquer dos concorrentes apresenta uma similitude entre eles, de um discurso estético consistente e singular, de caminhos relevantes mas onde nenhum dos autores se destaca particular e verdadeiramente, o que não sucedeu no Prémio do ano transato. Todos pertencem à mesma geração dos anos 70; sendo Félix Mula o mais novo dos três, de 37 anos, prevalecendo uma forte unidade de conjunto num equilíbrio formal e temático. Contudo, no aspeto da montagem das obras de Félix Mula, junto das suas fotografias surge um pormenor de relevo que é um carreiro de sementes tónicas autênticas vermelhas espalhadas na calha de um corredor extenso mas estreito.