“Gosto de Andar Invisível”
Foi num dia de sol numa esplanada lisboeta que nos encontrámos para falar da sua vida através da lente. Havia muita vontade de conversar mas o tempo era pouco e Pauliana começou logo por dizer: “vou resumir a minha vida em cinco minutos”. Não foi verdade, foi num período muito mais alargado de tempo que falámos de uma vida que dava um livro. Já fez mil viagens e recentemente esteve em Cabo Verde a fazer um projecto sobre transexuais, um paralelismo com o trabalho Make Up que fez anteriormente no Conde Redondo sobre o mesmo tema. Gosta de estar lado a lado com as pessoas e só assim consegue captar a sua essência, tentando imortalizar o lado bonito e não o decadente.
Pauliana começou por fotografar as suas viagens, passando depois a aplicar o mesmo método à vida normal em fotografias aos amigos e conhecidos. O contacto humano é muito importante para o resultado final das suas imagens. Precisa das pessoas, de estar com elas e por isso não utiliza zoom. Tem o dom de fazer com que se esqueçam da presença da máquina e só quando se apercebe que já se abstraíram decide fazer o clic, captando o lado genuíno das pessoas que fotografa. Uma atitude que transparece nas imagens, mesmo que seja fugaz. “Tenho este dom e este à vontade, sento-me com alguém e passados cinco minutos está a contar-me a história da sua vida”. O resultado revela-se em fotografias intimistas.
Tirou o curso de geologia ao mesmo tempo que ia fotografando. Duas áreas que escolheu porque adora viajar. A partir dos 18 anos – altura em que saiu de casa – começou a fazer uma viagem grande por ano. Escolhia um destino longínquo para conhecer e seguia o seu rumo. A primeira foi ao Tibete e ao Nepal. E o dinheiro de onde vinha? Pauliana sempre foi boa aluna a ciências e dava explicações de Matemática e Física com o objectivo de conquistar um ganha-pão para poder fazer as suas aventuras. Começou em Geologia pelo gosto de viajar pois nunca ambicionou estar fechada num escritório. A fotografia veio por arrasto pois tinha necessidade de contar as viagens aos amigos. Fotografava com slides e quando regressava fazia um percurso da viagem aos amigos.
Tudo começou mais seriamente em 1999, altura em que David Alan Harvey, um fotógrafo da agência Magnum, veio a Portugal dar um workshop de fotografia que Pauliana decidiu frequentar. “Deixa-me lá mostrar os meus slides a alguém que perceba e que me possa dar um feed back”, pensou. Fez uma pequena selecção do seu portfólio e acabou por fazer bastante sucesso no workshop: “o meu trabalho tinha qualidade e chamava a atenção”. Entretanto, David Alan prolongou a sua estadia em Lisboa devido a um trabalho que estava a fazer sobre a diáspora ibérica e precisou de uma assistente. “Como eu era estudante universitária e não tinha uma agenda preenchida, convidei-o a ficar em minha casa e propus-lhe ser a sua assistente durante dez dias. Em troca, ele editou todo o meu trabalho e incentivou-me a publicar”. Assim foi e Pauliana publicou as imagens de uma viagem ao Irão na Grande Reportagem, onde começou a colaborar regularmente. Entretanto foi fazendo cursos intensivos fora de Portugal e muito naturalmente tudo se foi desenvolvendo até chegar a um curso especializado na Gulbenkian. A partir daí dedicou-se totalmente à fotografia deixando a Geologia de parte. Paralelamente entrou no colectivo de fotógrafos Kameraphoto, uma espécie de agência Magnum à portuguesa, que deixou de existir este ano devido a dificuldades financeiras. Em relação a este facto quando a questionámos se a fotografia terá já alcançado o mesmo estatuto de obra de arte que a pintura, Pauliana respondeu prontamente que não. “O BES, actual Novo Banco, comprou-me várias fotografias, na altura do meu projecto Caucase o que foi muito bom, mas não existem muitas entidades com este comportamento e ainda há muito caminho a percorrer.”
Viajar está-lhe no sangue e se está um ano sem pôr o pé fora de Portugal começa a entrar em desespero. Para a série The Passenger embarcou numa viagem de comboio, duríssima, a bordo do Cosmic Underground onde acompanhou cerca de 40 artistas, num percurso de quase dois meses de Talin (Estónia) a Lisboa. “Havia três espectáculos por noite em sítios diferentes e na viagem éramos apenas duas mulheres no meio de uma série de homens, eu e a cozinheira. Havia apenas uma casa de banho e no fim de cada espectáculo, como qualquer polaco que de preze, bebiam vodka a noite inteira. Tinha que lidar com alcoólicos numa grande confusão através de corredores de comboio cheios de testosterona. No dia seguinte nunca sabíamos onde íamos parar para tomar banho e como era um comboio de carga, muitas vezes ficávamos parados no meio do nada durante horas. Não sei como é que não enlouqueci”. Tal só não aconteceu porque já tem uma grande bagagem de viagens difíceis. Já esteve no Mali, no deserto, em que fez 500 km de camelo disfarçada de homem porque queria estar com os Tuaregues.
Em 2009, juntamente com Sandra Rocha decidiu aventurar-se pelo Cáucaso pois descobriu que foi a primeira viagem feita por Calouste Gulbenkian aos 22 anos, e que dessa aventura resultou um livro, La Transcaucasie et la Péninsule D’Apchéron –Souvenirs de Voyage. Aproveitaram o mote e decidiram seguir-lhe os passos, utilizando o referido livro como ponto de partida para um projecto: refazer o seu percurso, publicando também um livro, mas desta vez de fotografia intitulado Caucase – Souvenirs de Voyage. Na viagem enfrentaram mundos muitos masculinos em países como a Arménia, Geórgia e Azerbeijão. Circulavam em transportes locais onde ninguém proferia uma palavra de inglês e num dos dias atravessaram uma fronteira a pé, durante a noite, no meio do nada. Tudo poderia ter acontecido. Noutro dos dias e sem transportes locais para chegar ao destino decidiram alugar um carro com motorista. Eis que ele chega numa viatura a gás e com apenas uma perna. “Parecia um serial killer e andava a velocidades alucinantes. Eu estava muito assustada porque desde que fui mãe tornei-me mais medrosa. Foi desde manhã até à meia noite com ele por estradas inacreditáveis”.
Pauliana gosta da interdisciplinaridade e de juntar outras experiências ao seu trabalho. Por isso já trabalhou com músicos e no ano passado fez o projecto Entre Nous juntamente com Hélène Veiga, uma antropóloga francesa que vive em Lisboa. Entre Nous juntou duas ruas, uma no intendente em paralelo com uma rua semelhante em Paris. “Ela filmou, eu fotografei e juntámos tudo num objecto único em que tens o dia-a-dia dos habitantes das duas ruas. De repente o espectador não sabe se está em Lisboa ou em Paris”.
Viajou depois para a Grécia onde fotografou jovens com questões de identidade para a série Youth of Athens. Concorreu a uma bolsa da Gulbenkian, conseguiu e rumou a Atenas. “Mais uma vez não tinha nada programado. Saía à rua, encontrava um jovem que me chamava a atenção, explicava-lhe o que estava a fazer e pedia-lhe para o fotografar em casa, com os amigos e no dia-a-dia. Todos reagiram bem, nunca tive um não e fotografei nove jovens para a série.”
Percebi ao longo da conversa e ao fazer algumas comparações do seu trabalho com o de Nan Goldin (devido ao lado intimista que os une) que a comparação não faz sentido pois ao contrário de Nan Goldin, Pauliana procura captar o lado bonito das pessoas que fotografa, algo que se percebe ao percorrer os olhos pelas suas variadas séries. “Quando fotografei os transexuais do Conde Redondo era muito fácil ir buscar o seu lado feio, das nódoas negras e do fim de noite. Afinal é fácil fotografar alguém bêbedo. Eu normalmente procuro o lado belo das pessoas, não quero o lado feio e decadente. Tento que as minhas fotografias sejam quadros”.
5 Manias na Fotografia
1 - Não gosto de flash. É uma luz artificial, embora existam truques para a tornar menos artificial. Prefiro sofrer durante meia hora e usar a luz existente.
2 – Sou muito esquisita com a composição da imagem. Sempre gostei muito de pintura e passava horas em museus. Para mim uma imagem tem que estar bem equilibrada e a composição tem que ser perfeita. As linhas têm que estar direitas, as pessoas não podem estar coladas umas às outras e não quero marcas nas minhas fotografias.
3 – Detesto usar tripé. Gosto de estar completamente livre e de dar o mínimo nas vistas possível. Gosto de andar invisível.
4 – Não gosto de usar zoom. Só uso lentes de 35mm ou 50mm porque gosto de estar lado a lado com as pessoas.
5 - Prefiro o analógico. Fotografo menos e penso mais.