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Quem passar pela Galeria Cristina Guerra vai certamente surpreender-se, identificar-se e reviver memórias com as peças que lá estão expostas. As obras partem do universo literário de João Louro que seleccionou diversas capas e lhes deu uma nova identidade. Tratam-se de grandes clássicos da literatura onde podemos encontrar Buddenbrooks de Thomas Mann, Ulysses de James Joyce, Brave New World de Aldous Huxley ou Malone Meurt de Beckett.

The Cold Man revela-se numa outra abordagem mas com vários elos de ligação com trabalhos que o artista desenvolveu anteriormente. João é um artista conceptual "mesmo que os espectadores achem que eu me 'disfarcei' sob a capa de outro artista. Eu parto sempre da ideia e não de qualquer inspiração momentânea. Nesse sentido, não creio que seja uma exposição 'com um contexto diferente'. Os livros sempre apareceram na minha obra. Desde sempre", revelou.

Bem vindos ao maravilhoso mundo literário-artístico de João Louro.

Leste todos os livros que estão expostos?

Nem todos os livros são romances. Nem todos os livros se começam pelo princípio. Nem todos os livros se lêem uma só vez. Os livros seleccionados para esta exposição têm diferentes abordagens. Mas todos estes livros fazem parte da minha vida. Dou-te um ou dois exemplos: O Ulisses de James Joyce tinha uma tradução antiga, que eu não consegui ler, saltando e voltando a tentar, até que chegaram recentemente duas traduções que considero atraentes, elegantes e bem feitas. Outro exemplo são Os Cantos de Maldoror, um livro iniciático e perigoso. Deve ser lido com cautela. Por vezes, revisito-o.

Cada um dos livros foi interpretado plasticamente segundo o tema?

Um escritor que admiro, Thomas Bernhard, dizia que nunca descreveu uma situação, uma paisagem. Eu, tomando boleia dele, afirmo que nunca interpretei nada. Eu construo a partir de alguma coisa, de algo que está a acontecer, também revisito assuntos, desde que haja matéria para isso. Mas qualquer assunto que considero pertinente ou que me “prende o olhar” passa a ser um alvo para mim. É esse o trabalho de um artista.

Quem é Mr Cold Man? Criaste uma personagem literária para interpretar a literatura?

O Mr. Cold Man é o autor que não quer ser autor. Não quer ficar preso ao seu trabalho, seja pelas críticas ou pelos elogios. Não se interessa por prémios e reconhecimento. Tudo o que é pertença do universo da tentação e do remoinho do egoísmo, não lhe interessa. É um autor que não quer ficar preso ao universo que atrai. Mr. Cold Man é um puro, que seguiu o mau caminho.

PISTOLA-51

Pistola Palavra, 1990

Dizes que esta exposição representa para ti um gesto de resistência: uma reacção ao excesso de objectos irrelevantes que diariamente são colocados no mundo por indivíduos que reclamam ser artistas. 

Creio que o universo da arte está cheio de falsos artistas, que acham que a arte é uma actividade especial e estão ainda imbuídos da dinâmica das vanguardas do princípio de séc. XX que, ao que parece e nem todos sabem, surgiram num contexto especial e responderam a esse contexto, lançando uma premissa para o futuro sem que, a meu ver, se lhes possa continuar a dar ouvidos. A situação mudou e há uma nostalgia na revolta de uma guerra que já não existe. Agora a guerra é outra!

A Arte é uma actividade do homem, como outra qualquer e, por razões que levariam algum tempo a explicar, criou-se a ideia de que a arte pode ser feita por qualquer um e que, simultaneamente, o artista é um ser especial. Pois não é! Contudo para se ser artista há algumas particularidades inerentes à sua actividade que devem ser cumpridas.

Há portanto que desfazer, quer a nostalgia do passado e na revolta da arte e o mito de que o artista é um ser especial e que está nas mãos de qualquer um decidir sê-lo. São binómios muito perigosos, porque fazem aparecer “artistas” que só produzem entropia, que se acham especiais, moldados pela nostalgia de vanguarda. Com isto perdem-se pessoas válidas noutras áreas de actividade humana. Até idiotas se perdem assim.

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Cravan, 2002

Fala-me um pouco sobre o processo de trabalho, recolha, até à execução Final.

Eu inventei a minha vida. O meu processo de trabalho é a minha vida. Levanto-me e bebo um sumo de limão com água tépida. A partir daí tudo se desenrola naturalmente até à obra final.

 

Todas as imagens dispostas no início do artigo são de 2014 e pertencem à exposição The Cold Man.

Até 5 de Março na Galeria Cristina Guerra.

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