Fotografias: Vera Marmelo.
Pousa a guitarra, afasta a cadeira e levanta-se. Fitando o aquário completamente cheio e rendido, celebra com típico gesto familiar a outras sonoridades, mínimo e indicador esticados. Os famosos cornos (\m/). A reminiscência de projectos paralelos a Filho da Mãe, como If Lucy Fell? No mínimo, interpretação abusiva. Um grito contra uma geração que opta pelo silêncio em detrimento de lutar contra os monstros internos e externos? Também não será para tanto. Tão e somente a expressão de satisfação. Se não houve retribuição em direcção ao palco, deve-se a manifesto estado de anestesia geral. O que se acabara de presenciar ficará gravado na cabeça de cada um, sem necessidade de martelo e escopo. A memória ficará amarrada a cada corda esticada, a cada acorde marcado e a cada pancada na guitarra.
Meia hora do início do concerto e agitação. Os últimos bilhetes que se levantam e as mensagens trocadas em tom resignado por não se ter reservado. Ao entrar, o novo e enorme portão de ferro. Aparentemente, um detalhe insignificante, ou então uma comparação rebuscada ao primeiro álbum de Filho da Mãe – Palácio. No entanto, este novo corpo, a escala do edifício e o assombro que associamos a estes espaços, acentuam-lhe o caractér palaciano. Neste caso, a surpresa tem nome – Guido Nellie. Primeira banda, escolha do curador musical Sérgio Hydalgo, e que se revelou opção bastante acertada. Três elementos em perfeita sintonia, de sonoridade acústico – folk, capazes de produzir melodias de grande beleza. Desconhecidos para mim, mas a merecer esgravatar apurado em agendas culturais para detectar novas actuações.
Mas Filho da Mãe? Filho da Mãe não dá descanso. É inquietude, é puxar as cordas ao limite, é atribuir uma nova característica à guitarra – a percursão. Filho da Mãe é trilhar um novo caminho. Numa geração de tão e tão bons guitarristas – Tó Trips, Norberto Lobo, Peixe ou, noutros territórios, Manuel Mota e Felipe Felizardo, para mencionar só uns poucos, é capaz de como todos eles, assumir um chão próprio. Um chão escrito. Não nas letras, inexistentes, mas nas paisagens que cria, ou melhor que com ele criamos. Cerca de abelhas, Caminho de pregos, Um monge às costas, Quadro branco poderão ser só títulos do mais recente álbum Cabeça, mas quando tocados assumem dimensão, simultaneamente, onírica e pessoal. Viagens entre o Gerês e Montemor, onde foi gravado o disco, mas também a lugares que te são só. Teus só, só teus. Lugares físicos muitos, e interiores tantos. A Um bipolar e a Um bipolar dois adicionaríamos um terceiro, sem dificuldade, e desenharíamos mais novos naperons ou Malis. Há que fazer parte desta narrativa. Há vontade, de passado cinco dias, levantar o mínimo e indicador e mostrar o nosso orgulho – (\m/).
Nota – Brevemente será publicada entrevista a Filho da Mãe.