Falo da minha experiência. Houve fases. Uma em que jantávamos por vezes fora antes de sair. Iamos muito a um sítio entre as Amoreiras e o Rato, depois, depois, Bairro Alto. Bairro Alto-Mundo. Era chegar e ir directo para As Primas e só sair dali quando as portas fechavam. Lá dentro sempre o mesmo ruído de fundo; vozes altas, algumas aos berros, as músicas já passadas mas que aqueciam a alma na famosa jukebox, a Prima que sempre primou por falar baixinho… e que quando faltava a luz por qualquer razão saltava para cima da mesma jukebox aos berros. A casa de banho que era mista, especialmente por estarem lá dentro muitas vezes ao mesmo tempo dois sexos iguais como por vezes sexos indefinidos. Clientes heterossexuais, homossexuais (com vínculo especial lésbico), e de todos os tipos; alternativos vários, noctívagos militantes, boémios profissionais, e até caídos de paraquedas. E tudo num são convívio. No nosso caso, do nosso grupo, as cubas livres manhosas mas bebidas como água ajudavam. Drogas também havia na casa de banho, ao contrário do papel higiénico. E no rádio que vinha do balcão soava sempre a eterna Madona, ídolo da casa. Depois era arrancar para outro lado. Muitas vezes o Keops, na rua acima, onde se ouvia bom House e via-se os mais extravagantes gays negros a bambolearem-se. Decoração egípcia kitsh mas de bom gosto. Ou A Capela, onde sempre tinha alguma empregada gira e bom som. Escrevo assim de memória rápida, o que me vem à cabeça, escrita espontânea estilo beat, beat beat beat… beat cristal, escrita normal? E as figuras, os cromos da noite, os personagens de um filme em tempo real, lembro-me daquele a que batizamos “o taradão” como é óbvio devido à sua actividade de predador sexual nocturno. De dia só o vi uma vez nesses anos todos. Lembro-me em especial dele aos gritos de “wake up Lisbon!!!” num Frágil cheio. Absinto que sim. E de estar com uma rapariga numa casa de banho e de bloquear a porta da mesma até o dono ter de intervir. O Frágil ainda dava cartas. Numa fase era um rodopio constante entre o Frágil e o Captain Kirk. Ah, o Kirk… quantas saudades tuas são lágrimas de uma (ou mais) geração. Entre 1995 e 1997 foi o mais interessante local, e não apenas à noite pois fez tardes de cinema (em televisor). Abusávamos no rodopio, mas era tudo um abuso. Sobre o Captain Kirk preparo desde início de 2012 um pequeno documentário. Também frequentávamos o Café Diário e o Café Suave, em frente um ao outro, onde ouvíamos as novidades da boa electrónica que se fazia e liamos o excelente folheto musical da Cooperativa dos Bancários. Sim isso mesmo, do sindicato dos bancários. Era os Up, Buster and Out, Akasha, Saint Germain, Morcheeba, Massive Atack, James Hardway, etc, etc. Muitos deles, os com mais groove, tenho recuperado no meu DJ set chamado Clube do Cool e da Cafeína. A década do Jungle, Drum and Bass, Hip Hop Jazz, Trip Hop… o Grunge? não nos dizia nada. Lembro-me de um local que penso que seria a sede da Juventude Socialista, ali mesmo em frente ao Jardim de São Pedro de Alcântara e que passava bom som alternativo. Aproveitando a menção a Alcântara sigo para baixo, para o rio, e para o fim desta crónica, relembrando que muitas dessas noites acabavam ao pé do rio, pois depois do eterno Incógnito fechar as portas por voltas da 6.00 tantos eram os últimos refúgios nossos; Alcântara Mar e Kremlin. Depois era ou aguardar pelos autocarros da manhã ou voltar de táxi ou mais tarde, de carro próprio. Era a noite de Lisboa que foi considerada a melhor da Europa naqueles anos. Era a loucura, darling.