DIÁRIOS DO UMBIGO

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Num dia quente como o de hoje, quero falar de reconciliações. Não daquelas oportunistas que se dão com 'passos' por 'portas travessas' mas reconciliações que traduzem aprendizagem, bom senso, generosidade, grandeza e, em última análise, a certeza de uma esperança toda ela emocional. Reconciliações que são o motor para que a segunda oportunidade dignifique a primeira, interrompida, tornando-se assim o alicerce para que as terceiras, quartas e por aí fora, não sejam mais que suas extensões naturais, sem rupturas.

Foi o que se passou comigo nos últimos tempos: reconciliei-me com os The National.

Não vou aqui escrever como se fosse uma amante dos The National desde o primeiro álbum. Não o fui. Aliás, conheci-os e apaixonei-me à primeira audição de Fake Empire (aliás, eu acho que ainda me apaixono a cada vez que ouço esse hino perfeito). Pouco depois, Mistaken for Strangers entrou para o top das minhas músicas preferidas de todos os tempos.

Fake Empire

Mistaken for Strangers

O calendário marcava o ano de 2007 e a edição do quarto álbum de originais da banda que chegava do bairro 'mais correcto' da altura: Brooklyn. Boxer fez as minhas delícias e acredito que as de todos os que não conseguiram parar de o ouvir. A curiosidade e os espantosos concertos que tive oportunidade de assistir (Coachella / Aula Magna - 2008) levaram-me a Alligator, levaram-me a um entusiasmo avassalador pela música cantada por aquele poética e alcoolicamente endiabrado Matt Berninger e, consequentemente, à destruição trágica de uma moldura de que tanto gostava provocada pelos saltos extáticos que dava na minha sala ao som de Mr. November.

Mr November

Era tudo bom. Uma relação perfeita. Baseada no aqui e agora que se fortalecia com o reconhecimento de um passado próximo. No fundo, como todas as relações devem ser. E da surpresa se fez conforto e tranquilidade. Os The National tornaram-se um porto seguro onde me podia descalçar e deitar a cabeça. A banda que adorava amar e adorava que todas as pessoas amassem.

Não bastasse o estado de graça proporcionado pelos originais dos quatro magníficos, dois deles ainda tinham de ser os responsáveis pela produção da compilação Dark Was The Night que é, provavelmente, a melhor compilação da primeira década do séc. XXI.

The Decemberists - Sleepless

Mas chegou a edição de High Violet (2009) e o verniz estalou. Senti-me enganada, defraudada e até zangada: os The National tinham-se transformado na bandinha indie que tinha feito tudo como deve de ser e que, depois de atingir um determinado estatuto, tinha-se estado totalmente nas tintas. Todo o álbum me parecia ter a tensão errada, sem razão, que me levou a que me passasse e me separasse deles. Durante anos, não lhes liguei. Até há umas semanas, quando timidamente abri o Spotify para ouvir o novo Trouble Will Find Me e, bolas, meti-me logo em trabalhos.

Trouble  Will Find Me (Full Album)

Meio cinicamente, ouvi o tema de abertura I Shoud Live in Salt e não fiquei convencida (apesar de ter pestanejado mais do que o que queria). Logo a seguir, Demons, o primeiro single, fez-me abrir os olhos como quando, numa discussão, se começa a debitar tudo o que correu mal. As coisas acalmaram e até ironizaram com a energia de Don't Swallow the Cap.

Depois, sem avisar, é tudo posto à prova outra vez com Fireproof, Sea of Love mas imediatamente acariciado por Heavenfaced que nos deixa com uma dúvida das que gostamos.

This is the Last Time, Graceless e Slipped aparecem como uma trilogia fotográfica perfeita, em que o equilíbrio de luz e sombra nos abre novos universos.

I Need my Girl e Humilliation são o golpe final de misericórdia principalmente quando se ouve na voz de Berninger: She wore Blue Velvet. E aí percebi que estava ali tudo o que me tinha feito apaixonar por eles na primeira vez: as subtilezas, a delicadeza carregada de neuroses, a poesia, a paranóia urbana mas agora com um optimismo desconcertante.

Em Pink Rabitts baixei finalmente a guarda e deixei de sentir que todo aquele trabalho tinha sido feito para me enganar, apenas para me 'dar música'. Parei, ouvi de peito aberto e soou-me a mel. O abraço chegou em Hard to Find, um murmúrio para se ouvir de olhos fechados.

Desde então, tenho-me descalçado e deitado a minha cabeça tantas e tantas vezes a ouvir o novo álbum dos The National, uma verdadeira obra-prima. Enfim, uma reconciliação.

Como tão bem aprendi a estudar David Hume, "o coração do homem existe para reconciliar as contradições mais notórias".

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