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Fotografias: Nuno Gervásio.

A propósito do lançamento do seu terceira longa duração e entre duas datas esgotadas no Lux Frágil, casa mãe que também os viu crescer, dúvidas não teríamos se uma terceira data houvesse. Mas parece que estes “meninos de ouro” têm planos maiores para nos oferecer.

Fomos recebidos na “nave” aparcada em Alvalade por dois dos cinco tripulantes — Francisco Ferreira e Salvador Seabra — teclas e percussão respectivamente, banharam-nos em néctares energéticos, servidos a meia luz. O momento é dicotómico: de alívio e ansiedade. Têm os Dias Contados, com pouco mais de 32 minutos é o álbum que acabam de editar. Agora é “testá-lo ao vivo e continuar a evoluir”, que é como quem diz, crescer e envelhecer. Uma consciência de vida e de modo de viver. Opções feitas. Ciclos encerrados que dão lugar à possibilidade infinita da prática diária da criação musical com forma de se estar. Doces dores do crescimento.

Como correu o concerto do Porto?

F.F - Correu bem, não foi sala esgotada, mas quase. Foi uma dupla estreia: a Casa da Música e tocar as músicas novas com público presente, o que dá para ter uma primeira noção da receptividade. Sem contar com o livestream (da redbull) no passado dia 12 de Abril. Algumas pessoas já sabem as letras, do single e não só. Outras estranham, mas estão atentas, que é o mais importante. Desde que não estejam à conversa com o amigo do lado.

Existem artistas que passam a vida inteira a repetir-se e pouco adicionam a si mesmos. Vocês a cada álbum metamorfoseiam-se com novas sonoridades. O que é que transbordou dos outros álbuns?

F.F - O que resta entre discos é o processo de composição e criação: fazemos juntos os instrumentais, depois o Tomás escreve as letras e no final tornamos ao grupo para a parte melódica. Com este terceiro disco já dá para olhar retrospectivamente com atenção. Do primeiro para o segundo pareceu tudo breve e imediato. Sala de ensaios e depois retiro para tocar e afinar sonoridades. A nossa mudança deve-se a não querermos repetir fórmulas, por já as termos feito.

S.S -  E assim ocorre naturalmente. As influências musicais são importantes e não foram as mesmas que ocorreram no Pesar o Sol (2014) ou no Gazela (2011).

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Numa primeira audição, apercebi-me o quão bem vos ficam as naturais e evolutivas “dores de crescimento”. Progressivamente fui deixando de ver o álbum como uma objecto pesado, sem deixar de acreditar que resulta num excelente requiem. Mas há aqui mais do que isso. Os dias não estão contados e muito está no devir. Chateia-vos a literalidade das pessoas?

F.F - (entre risos) Os dias estão contados porque é a natureza da vida. Especialmente, os mais novos perguntam-nos se a banda vai acabar? Não, não vai.

S.S - Acho que se compreende ao ouvir o disco que existe muito para além do título. Todos nós estamos a viver a fase de sair de casa dos pais e de querer fazer da música uma dedicação a tempo inteiro. Não é uma coisa má. É apenas difícil, mas estamos felizes com esta opção.

E é preciso haver mais método e organização agora.

F.F - Muito mais. As pessoas que não têm proximidade com as áreas criativas, acham que isto é uma vida boémia, à qual se confia a intuição dada por musas, como nos Lusíadas ou raios divinos, que nos trazem canções. Não é nada disso. É o oposto e as letras do Tomás reflectem-no claramente. E nós identificamos-nos nas palavras dele. É preciso muito trabalho para obter o produto final. A idade trouxe-nos método e disciplina.

O trabalho estrutura e Alvalade chamará sempre por vós.

F.F - Sim e os calendários do google são muito importantes.

Há cerca de um ano, em Abril, estavam a interpretar Syd Barrett. Recordo-me do Domingos e o Manel comentarem que estavam a descobrir detalhes que nunca tinha ouvido nas músicas. Como é que esta bagagem influiu no processo criativo?

S.S - Foi exactamente nesse momento, que estávamos a iniciar o processo de composição e a influência foi natural. Tivemos um mês inteiro a dissecar o álbum e assim descobrimos e testámos coisas que por nós, se calhar, nunca experimentaríamos. Deu-nos caminhos. Foi um abrir de olhos que necessitávamos. Um mês antes estávamos com uma barreira criativa, pois as musicas do Pesar o Sol pesavam desde 2012, sendo que o álbum só saiu em 2014.

A nível criativo, sabem exactamente aquilo que querem ou sabem melhor o que não querem?

F.F - Sabemos melhor o que não queremos. Sempre.

S.S - Quando iniciamos o processo criativo, não fazemos ideia de que direcção vai tomar, nem ao que vai soar. Como é feito sem interrupções, os discos ficam coerentes.

F.F - Temos percepção mais ou menos a meio do processo. Com metade das músicas compostas, aí começamos a encontrar em uníssono, uma estética ou o caminho que seja a linha sonora. A partir daí é mais fácil. E a fluência sucede-se. Agora não fazemos ideia que caminho iremos seguir no próximo, nem nos apetece pensar nisso.

S.S - O que sabíamos todos é que não queríamos fazer um disco parecido com os anteriores.

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E agora na grande família Sony, têm constrangimentos criativos?

S.S - Não, nenhuns. Carta branca.

Nas datas desta tour de apresentação do álbum achei curioso os locais serem todos relativamente pequenos e intimistas. Acho curioso e importante que tenham mantido este tipo de registo. É a divina prudência ou gostam do aconchego de palcos pequenos?

F.F - Dos bares todos onde já tocámos acho que não estamos a repetir nenhum. É sempre bom ir a locais novos, pois há muita gente que não nos conhece. Agora começamos por locais pequenos, no Verão os festivais e temos em mente tocar o disco em teatros mais para o Inverno, porque achamos que é uma época que se adequa a esses espaços.

S.S - E agora temos forma de ganhar prática.

Estas novas músicas dão-se pouco ao stage diving, que é uma imagem de marca vossa.

F.F - Sim, de facto. O Gazela é mais festivo, quase que se podia passar um concerto a levitar sobre a audiência. Na Casa da Música foi engraçado. As pessoas não sabiam muito bem como agir, pois não tocámos o disco do princípio ao fim. Fizemos a ligação, que achamos a melhor possível, com as canções antigas, tendo ficado quatro de cada disco anteriores. Mas foi interessante fazer a ligação entre os três álbuns. Quando tocávamos as anteriores estava tudo ao moche e aos saltos e nas novas fazíamos nós de propósito para motivar uma quebra e prender a atenção. Andamos ainda a testar estas ligações. Mas é divertido fazê-lo. O single está a ser recebido de forma festiva de braços no ar.

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Bons representantes do quão bem se pode escrever e cantar em português, existe alguma ideia de internacionalização? Conseguimos imaginar Capitão Fausto Tropicalista, por exemplo.

S.S - Nós gostamos é de tocar, e Portugal nunca se esgota. Nunca tivemos nenhuma proposta, mas gostávamos. Já falámos com a nossa editora e temos sorte pois poderá surgir alguma ligação com a Sony Brasil, quem sabe, fazer um intercâmbio com bandas da mesma calibragem.

F.F - Pois. Eu adorava ir para o Brasil. Nós íamos gostar demasiado (risos).

Sabemos que se munem de alguns magos sónicos, em quem confiam.

S.S - Sim, o Pedro da Rosa, dos Golpes ajudou no primeiro disco. O Nuno Roque gravou os nossos três discos e é em quem confiamos o som ao vivo. Depois há o Diogo Rodrigues que é o sponsor máximo da localização “Alvalade”. Já agora um abraço e um obrigado.

Tínhamos pedido um objecto que vos representasse.

F.F - Escolhemos um disco: Rumours, dos Fleetwood Mac (1977), porque foi sem dúvida uma grande referência enquanto estávamos a gravar. Fizemos algumas pausas para ouvi-lo. O som e a atitude torna-o especial para nós. Tem musicas datadas, mas o som enquanto pop é cristalino e com classe. Sofisticado. Foi numa altura em que os discos se faziam com grande qualidade de som, mas ainda não estava tudo processado. Hi-fi fim dos anos 70. A forma como se captava os instrumentos era óptima, e era isso que nos interessava.

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Os discos demasiado processados são um grande risco, quando tocados ao vivo.

F.F - Sim, também. Uma das coisas que o Nuno Roque conseguiu fazer bem aqui, nesta mesma sala, foi captar o som dos instrumentos exactamente como o são, com a finalidade de nós os conseguirmos reproduzir ao vivo. A única incapacidade que teremos é a de reproduzir os instrumentos que não são tocados por nós.

Nos discos anteriores eram só vocês, não tinham instrumentos extra. Agora tiveram convidados.

F.F - Tivemos: um quarteto de sopros, o pai do Tomás no contrabaixo e o próprio Tomás gravou violinos. E agora nos ensaios é um processo novo e que está a ser curioso.

E vai haver surpresas ao vivo, ou vão ser os cinco?

F.F - A surpresa será exactamente essa. Só nós. O curioso agora é chegar à forma de sozinhos sermos capazes de tocar todas as notas. É um desafio. Muitas vezes cabe-me a mim nos teclados ou ao Salvador nas percussões. Temos de ensaiar muito.

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E os outros projectos: Bispo, Modernos e El Salvador. Exercício autofágico ou a benesse da miopia a Capitão Fausto?

S.S - É sempre benéfico. Aliás no ano passado não demos concertos com Fausto, e andámos a tocar com os restantes projectos, que têm um processo criativo completamente diferente. A aparição destes produtos é mais intuitivo e fácil. Chegamos aqui com ideias e gravamos de forma descomplexada. Este exercício constante é muito importante. Tenho a certeza que ajuda depois ao eterno retorno a Fausto.

F.F - Acho mesmo que o produto final de Fausto em termos estéticos teria resultado de forma diferente se não tocássemos nestas bandas, paralelamente. Surgem de forma espontânea e fruto de haver tempo e disponibilidade para experimentar outros som. São tipos diferentes de música, distintos de Fausto. Trouxemos a influência exterior para dentro do núcleo, mas a identidade de Fausto manteve-se íntegra. Os outros projectos são refrescantes.

É consciente que na última e oitava canção Alvalade Chama Por Mim existe uma referência ao You Only Live Twice, de Nancy Sinatra e composição do sempre notável John Barry, em 1966. Sendo esta uma das canções mais emblemáticas da OST de 007, faz-me pensar que o vosso disco é profundamente conceptual na medida em que o título do álbum contradiz a faixa que o encerra, como referencial claro a uma iconografia, imortalizada nas diversas artes. “You only live twice or so it seems // One life for yourself and one for your dream”, assim começa a canção.

F.F - Não é de todo conceptual, mas encontraste a ligação perfeita. O que só dá mais gozo ao olhar agora para o disco. A verdadeira história por detrás dessa música é que no Minho temos uma casa, que nos serve de retiro muitas vezes e onde temos muitas memórias e nostalgias. Local onde ensaiamos, compomos e nessa rotina, de trabalho e mergulhos na piscina, à noite depois do jantar, relaxamos. Dos poucos entretenimentos que existem é uma colecção inteira dos filmes dos James Bond. E no Pesar o Sol já tínhamos visto todos os filmes. Bom, rejeitámos os filmes com o Timothy Dalton e G.Lazenby (...) desta vez não vimos todos, porque o televisor avariou. Mas vimos o nosso favorito The Man With The Golden Gun. E alguém começou a tocar uns acordes muito semelhante aos dessa música e entusiasticamente decidimos mantê-los. Sabíamos que a linha melódica dos violinos era da Nancy Sinatra, mas confundimos os filmes de tal forma que apelidámos a canção durante muito tempo de Scaramanga. Também havia uma referência mais pop e contemporânea, associada a Robbie Williams e ao sampler em Millennium. Que é uma óptima canção, para nós.

S.S - ...e sim é uma homenagem completamente assumida e consciente, mas apenas ao nível da sonoridade e da referência cinéfila. Não a creditámos. Corremos o risco de haver sarilhos, mas vamos acreditar que não. Somos uma banda pequena, aqui neste cantinho europeu...

* Este texto não é escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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