MÚSICA

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Fotografias: Vera Marmelo (Out.Fest).

Hey Satan!!! Estrépito lançado no final do concerto de Russel Haswell na última noite da 12º edição do Out.Fest. Compreensível exaltação e loas ao Belzebu, ao Mafarrico, ao Chifrudo e demais epítetos perfeitamente justificável. Se por lá não vimos motosserras, alicates de pontas, catanas, martelos pneumáticos e demais elementos de tortura pelo menos a sua presença foi sentida na epiderme e na cóclea de cada um dos espectadores que deambulou pelos muitos espaços da ADAO (Associação Desenvolvimento Artes e Ofícios). Da lista não constavam incautos ou fugazes distraídos, antes uma plateia ávida no que de mais estimulante e extremo se faz na exploração de novas sonoridades. Mas mesmo estes não estariam à espera de tal intensidade, volume no máximo e à total desconstrução dos parâmetros pelos quais tradicionalmente se define música – melodias, acordes, ritmos, pausas. Pausas não foram nota de rodapé, foram pura e simplesmente riscadas do mapa. Nada que surpreenda, afinal Russel Haswell colaborou com músicos do calibre de Aphex Twin, Yasunao Tone e assume-se como um dos expoentes máximos do que se designa por Extreme Computer Music.

Movimento para a Destruição da Música anunciava na última década do século passado Mick Harris e restantes elementos dos Napalm Death aquando da edição de Harmony Corruption. Atitude radical, de ruptura, atitude estética e claramente subversiva. A música, na sua enunciação mais conservadora deve ser destruída e substituída por conceitos e estruturas mais livres. Não mapeámos qualquer contacto entre os elementos da banda de Birmingham e os Caveira e nem no final do concerto, no Salão Nobre, do quarteto constituído por Pedro Gomes (guitarra), Pedro Sousa (saxofone), Gabriel Ferrandini (bateria) e Miguel Abras (baixo) se repetiu exaltação demoníaca. A razão é única e inequívoca – já não restavam forças. Os quatro, no início do concerto em círculo perfeito. Não era o Haka ou outra dança Maori, muito provavelmente estratégia de ataque a todas as linhas – máxima rotação, destruição sonora e novos limites de resistência. De Gabirel Ferrandini já se lhe conhece a intensidade, dinâmicas e mutações, Pedro Sousa cada vez a tocar em sequências intermináveis e com Pedro Gomes e Miguel Abras de costas para o público, mas não por isso menos audíveis e não menos resistentes. Concerto livre, combate sem tréguas, de agressividade absoluta, mas muito por isso revigorante. Com Caveira o dadaísmo adopta novos contornos. Não faria falta olhar para as camisas encharcadas de cada um para verificar que a expressão tão em voga – “dar tudo” adquiriu um novo significado.

Pausa. Pausa. Regressar ao dia anterior e mudar de local – Museu Industrial da Baía do Tejo. Uma sala entre as diversas máquinas que são parte da memória do passado industrial do Barreiro e atrás do piano e elementos de precursão, estante pejada de pequenos frascos de vidro e objectos de laboratório. Longe de ser música asséptica os exercícios de desconstrução e improvisação de AMM constituem verdadeiro trabalho de filigrana sonora, no que encerra de mais delicado e minucioso. Já muitas vezes Pedro gritou lobo, ou seja, já muitas vezes se apontou o “concerto do ano”, mas acreditem desta vez o concerto do duo britânico se não o foi, pelo menos deve constar no quadro de honra dos de 2015. Argumentar com uma história de 50 anos e repleta de colaborações com Cornellius Cardew, Syd Barret, Evan Parker é exercício espúrio, pois a vitalidade do duo assenta na contemporaneidade do mesmo. Muito provavelmente reforça argumento se nos lembrarmos da peça apresentada na edição do ano passado do FIMFA sobre Carlos, O Chacal. A intensidade não residia na manipulação de grandes formas animadas, nem em artefactos tenológicos. O manuseamento cuidado das figuras em papel a preto e branco adensava a narrativa. Aqui, com AMM o mesmo. O silêncio, cada nota com o seu peso específico, as pausas, o bater nas partes de madeira do piano, fechar várias vezes a tampa, a confirmar que um instrumento é um todo, ou nas precursões concisas, mas plenas de intencionalidade não só conferem densidade raramente escutada, como nos aproximam do universo cinematográfico de Tarkovski. Quando tal acontece descrição adicional deixa de fazer sentido.

Novo salto temporal, regresso a ADAO. O texto é descaradamente descontínuo e encarna, ou pelo menos tenta, a não previsibilidade do Out.Fest. E para resgatar outros dois concertos que jamais poderão ficar no limbo da memória – Zs e Peter Brotzmann & Jason Adasiewicz. Zs, trio de Brooklyn e que finalmente, esteve agendado concerto para a ZDB recentemente que não se concretizou, teve oportunidade de tocar no nosso país. O baterista de ritmos inusitadamente rápidos, no limite do grind, mas de freio igualmente insano. Aceleração, desaceleração, aceleração, repetição, inversão de ritmo, construção de nova textura. É nesta diversidade que assenta a riqueza da proposta. Reduzi-la ao virtuosismo de Greg Fox (bateria) é tacanhez e revelador de pouca atenção. Sam Hillmer, fundador da banda e saxofonista, contribui com os seus solos ou acompanhado para a construção deste caminho entrecruzado de narrativas entre a eletrónica, o rock e o jazz. De Peter Brotzmann pouco há a acrescentar. Nunca falha. Se o ano passado com Steve Noble, na bateria, e no ambiente acolhedor do Be Jazz tinha sido noite com direito a desejo de repetição, este ano como Jason Adasiewicz, o mesmo anseio repete-se. O sax de Brotzmann é exercício ao alcance dos eleitos e o vibrafone de Adasiewicz não é simples adereço ou muleta, adquire espessura, interventivo quanto baste, constitui parceiro que ninguém desdenharia.

Por estas linhas já andaremos todos de rastos. Nós que as escrevemos, quem as lê e Dante que obstinado e ainda na dúvida – acrescentar mais um círculo ao Inferno? Se sim, ele terá como centro o Barreiro.

OutFest2-10

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