No rescaldo da feira de arte de Madrid, o balanço possível.
Como habitualmente, a presença portuguesa foi marcante na ARCO Madrid, a feira por excelência do mercado de arte ibero-americano. Um destaque merecido para as galerias Pedro Cera, Graça Brandão e a 3 + 1. De realçar a presença da Kubik, do Porto, no programa Opening. A Galeria Pedro Cera conseguiu uma representação com impacto e arrojada, que, entre outros trabalhos, incluiu uma pintura (histórica, do início dos anos 1980) de Vítor Pomar. Uma obra de Tobias Rehberger, um wallpaper da série On Shunga, presente neste stand, fez capa do suplemento do jornal ABC dedicado ao evento.
Na Galeria Graça Brandão, destacavam-se várias obras de Ana Vieira, uma fotografia da dupla Paiva e Gusmão e desenhos de Albuquerque Mendes. A Galeria 3 + 1 tinha uma montagem muito equilibrada e uma apresentação muito consistente dos seus artistas. A Kubik, do Porto, pela primeira vez na feira, foi um dos projectos a reter no Programa Opening.
Entre as galerias espanholas, a mítica Juana de Aizpuru mostrou por que continua a ser uma referência maior da arte contemporânea. De destacar neste stand a pintura feita com bolas de sabão coloridas de Jiri Dokoupil e a sóbria escultura de Pedro Cabrita Reis, Door (from a church bench). Num registo discreto e em escalas reduzidas, a Espacio Mínimo apresentou uma selecção de obras muito interessantes, com destaque para Juan Luíz Moraza: Ceci n’est pas une republique, uma obra irónica que não nos deixava passar indiferentes.
A presença da Colômbia (o país convidado) fez-se com galerias interessantes, informadas e de grande consistência. As artistas mulheres estiveram em evidência na forma intensa e radical como trataram os seus temas, seja o corpo (erotizado ou transfigurado), seja a paisagem.
Dentre elas, duas artistas se destacavam: Carolina Caycedo, que cobriu toda uma parede do stand da Instituto de Visión com um painel que se impôs de forma impressionante. Uma obra de forte cariz político e de intervenção social intitulada Yuma, or the land of friends, realizada a partir de vistas de satélite de uma zona em construção de grande impacte ambiental. A outra era Mónica Restrepo, com uma interessantíssima instalação de esculturas representando os penteados de mulheres que deixaram marca no imaginário da Colômbia (Ella estuvo aquí). As peças, feitas em barro com a mesma técnica dos ceramistas pré-colombianos, estavam expostas em suportes para chapéus, tornando-se contentores de sentido em vez de objectos utilitários.
Nesta 34.ª edição da feira, o uso de técnicas “antigas” dadas a ver de outro modo pela relação com os materiais e a sua presença foi uma das tendências mais interessante entre as variadíssimas propostas. Destaque para a enigmática escultura em madeira The way things collide (acoustic blanket, meet drone shell and after dinner speech), de Ryan Gander, e para as fantasmáticas fotografias em registo de “negativo” e de cianotipia de Thomas Ruff.
Sentia-se também um retorno à pintura, numa reavaliação dos seus limites. Gunter Umberg, na Galerie Naechst St. Stephan/ Rosemarie Schwarzwalder, apresentou-se como um dos mais discretos e inteligentes artistas a trabalharem essa reavaliação. Na escultura, Girl, de Kiki Smith (galeria Barbara Gross), era uma peça apetecida na sua poética proveniente de um universo infantil, com algo de Alice no País das Maravilhas mas muito inquietante na sua quietude.
Inquietante também a biblioteca de Nicolas Grospierre (Galería Alarcon Criado), com uma caixa de luz e um sistema de espelhos que reflectem ad infinitum o seu espaço. Uma metáfora da impossibilidade de conhecimento face à exponencial explosão da informação. Um último desataque para o vídeo (hipnótico) The perfect wave, de Nicolas Provost (galeria Tim Van Laere). Um surfista na crista de uma onda em interminável movimento, numa espécie de êxtase esvaziado de sentido, também ele ad infinitum.
O balanço final foi de elevado nível de qualidade no geral, mérito da organização do certame, que conseguiu cativar as melhores galerias e filtrar as menos interessantes. O espaço expositivo ganhou ordenamento e percebe-se a aposta em captar um público com interesse e conhecimento, ainda que com menor número de visitantes. A feira está viva... e recomenda-se.