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Recomendo vivamente a exposição colectiva de cartazes de artistas plásticos contemporâneos internacionais que podem ser vistos nos dois espaços galerísticos da Culturgest, em Lisboa. Esta exposição, dedicada à arte do cartaz, é por si mesma um evento raro em Portugal e possui um carácter único dentro da programação da Culturgest. Trata-se da primeira de uma série de cinco mostras que irão pontuar até ao final de 2018, é uma colecção tão rica e vasta que achei que fazia sentido esta opção tendo por base a Colecção privada do artista Jochen Lempert. Esta foi iniciada na década de 60, período em que os artistas começaram a fazer os seus próprios cartazes. No primeiro contacto com a Colecção em 2008, acervo de 15 mil cartazes, o comissário Miguel Wandschneider percebeu de imediato a extraordinária qualidade dos cartazes de centenas de autores representados. Mais tarde, depois de ter mergulhado no vasto acervo, Miguel considerou que seria redutor fazer uma única exposição.

Um segredo muito bem guardado

Nesta primeira fase do projecto Honey, I rearranged the Collection…by artista, título baseado num cartaz do artista norte-americano Allen Ruppersberg, figuram 600 peças de 17 criadores como: Oldenburg; Warhol; Rauschenberg; Flavin e Sol LeWitt. Uma mostra de cartazes no interior do espaço expositivo só faz sentido se considerarmos que este é essencialmente um objecto artístico, uma obra de arte à semelhança de uma pintura ou desenho. Foi nesta perspectiva que o curador organizou este género de acontecimento; não devendo ter qualquer função ou se a tiver, será considerada aqui por excelência uma peça de arte.

Richard-Hamilton

A ideia destes cartazes é não interpretarmos no plano convencional como um simples meio de divulgação e sedução para publicitar a venda de um determinado produto, espectáculo ou exposição colocado no exterior das cidades modernas. Aliás, se assim não fosse haveria uma contradição e um non-sense expor no interior, obras que se destinam a ser instaladas na via pública. Ao analisarmos em pormenor os trabalhos dos artistas, verifica-se que parte dos cartazes não obedece com rigor às normas convencionais deste meio publicitário, afastando-se de critérios de eficácia comunicacional, contrariamente aos conceitos estabelecidos pelos designers gráficos. Nalguns casos, existe alguma dificuldade no plano visual de os integrar no género de cartaz perguntando-se mesmo o lugar onde estiveram expostos pela falta de eficácia quanto à leitura gráfica e equilíbrio da mancha do texto.

Contudo, estas composições podem ser um exercício desafiante para os designers apresentando material rico de estudo, criatividade e imaginação. O desenho do suporte do cartaz original não perdeu a áurea, existindo como um meio próprio, um visual original urbano específico como assinala Apollinaire. Estes trabalhos são realizados com uma enorme liberdade, onde facilmente se identifica o estilo do artista através do seu traço pessoal característico e da sua linguagem plástica, onde é muito evidente no caso de Dubuffet, o nome mais antigo neste percurso, situado na transição entre a arte moderna e contemporânea.

Rauschenberg

Nesta colecção pode-se observar a visão de diferentes artistas que se viriam a tornar ícones das suas narrativas de variadas tendências e movimentos artísticos. Os cartazes para além de reconhecerem o contexto histórico e político dos mesmos fazem parte integrante do seu trabalho artístico, com experiências pessoais, sendo objectos que valem por si mesmos. A exposição tem também o objectivo de dar a conhecer o lado do trabalho menos conhecido do artista, apesar de facilmente identificável e articular com as suas peças consideradas e valorizadas no seu caminho estético/artístico. Uma das questões que nos leva a interrogar, qual o motivo que levou e ainda leva tantos artistas, sobretudo a partir da década de 60, a interessarem-se pela feitura do desenho deste suporte, até porque é um objecto que tem um ciclo curto de vida e tornou-se obsoleto. A ideia da democratização da obra de arte levou grande parte dos criadores a debruçarem-se pela serialização e técnicas que permitiram a multiplicação de uma mesma chave matricial. Não é de todo inocente que nesse período verifica-se a expansão dos livros de artista. Esses autores interessam-se em aplicar materiais tidos como não nobres, que funcionam como poéticas do quotidiano. O cartaz tem igualmente a função do público usufruidor se apoderar da obra artística, por ser difícil a sua aquisição.

No seu conjunto, os cartazes proporcionam uma viagem tão surpreendente quanto fascinante e à medida que vamos percorrendo a extensa exposição, somos conduzidos pelos meandros da história de arte dos últimos 50 anos.

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