Fotografias: Carlos Martins e Pedro Sadio.
De Vayorken a Cem Soldos é um pulinho e tudo na boa
Continuemos a apelar à elegância de António Chainho e dar destaque às vozes femininas, Gisela João e Capicua. Longe das coordenadas musicais por onde nada a primeira, esta Serei (a) louca cultiva, com igual energia, estilo gingão e irreverente. Hip-hop, hip-hop com sotaque, sotaque da invicta, não há concessão, não há meias palavras. Directa, em temas mais pessoais (Vayorken), em alegorias para vontade futura Casa no Campo ou ainda quando chama à indignação Medo do Medo, A Mulher do Cacilheiro. Rima de qualidade e ironia bastante, compassada e a martelar consciência, com os excelentes desenhos em fundo de Dário Cannatá a reforçar ideia(s). É neste registo de “Rock durinho” que se sai melhor. Sem pausas, nem justificações, sem clichés (“Façam barulho para vocês”), nem tentativas de redesenho paisagístico onde quer ver cada oliveira ser transformada em palmeira. Capicua é dos cactos, de pedra da calçada na mão, mais “Mafalda do que Susaninha”, mesmo que veja na rua de Cedofeita sapatarias para sereias e onde eu só vejo a sapataria Teresinha e sapatos de vela de qualidade discutível.
Quatro dias (14 a 17 de Agosto) onde liberdade não é palavra vã. Liberdade para perder concertos, e foram tantos, para procrastinar, os grelhados no carvão e as praias fluviais (Fernandaires) são suficientemente tentadores. E para imaginar. Imaginar Noiserv num registo mais “Rock durinho” onde deixasse entrar a bruxa má ou convidasse Rudolf Schenker para solo de guitarra numa mais que provável paralisia cerebral. Imaginar que a liberdade deveria estar a passar por aqui. Ao fim de 40 anos de 25 de Abril é preciso relembrar o que se comemora – paz, pão, habitação, saúde, educação. Não esqueceremos, para nunca esquecermos, para isso está cá Sérgio Godinho. Liberdade, palavra em grafia gigante no Palco Fernando Lopes Graça, para não se perder de vista. Anda escondida, mutilada, retalhada, vendida a prazo, quem sabe. Durante aproximadamente uma hora, já contando com a queda inédita do palco e respectiva interrupção – a liberdade ou a falta dela Acesso Bloqueado, a luta pelo pensamento próprio, por conseguinte anti-praxe “Maçã com Bicho (acho eu da praxe)” ou vontade de mudança uma constante – O Primeiro Dia.
E António Chainho? Sim, já é hora. Hora de celebrar a capacidade técnica de tocar guitarra portuguesa como poucos (Mestre, não nos esqueçamos). Ainda hoje imploro os seus dedos para mensagem auditiva. Entidades autónomas, os dedos, que se movimentam a velocidade vertiginosa entre um ponto e outro, ligados a um nervo central de infinita capacidade. Pode ser em registo mais tropical – Brasileirô, tema inédito e como agradecimento a um público acolhedor, mais tradicional ou a sobrelevar as percussões endiabradas de Ruca Rebordão. É Agosto, o nosso querido mês. Em roda, ou na conga como no Milhões de Festa o fundamental é dançar. Com o Peixe, ou diremos como JP Simões um crustáceo de tão grande que é, com JP num registo a solo ou com a electricidade imersível de Memória de Peixe.