As obras de Miguel Arruda estão expostas no Mude, revelando ao público o processo criativo do seu trabalho e o mecanismo desenvolvido em torno do corpo da Escultura Habitável. Aliás, esta peça de escultura é central no seu percurso artístico a qual já esteve instalada no Jardim das Oliveiras em 2010, integrada na Bienal de Arte e na Trienal de Arquitectura de Lisboa desse ano. A Escultura Habitável é uma peça chave que sintetiza um conjunto de preocupações ao longo do seu caminho artístico.
Em 2013, três anos depois de ter sido exposta no exterior ao ar livre, podem ser observados no Museu, esculturas, projectos de arquitectura, desenhos, protótipos e peças de design que envolvem a narrativa do seu trabalho numa triangulação bem sucedida nas áreas de escultura, design e arquitectura. A exposição também contempla objectos em cortiça: sofás; cadeiras; bancos e candeeiros. Nesta linha, o criador aproveitou para explorar as características da cortiça adaptando-as às qualidades ergonómicas.
Na sua colecção permanente também se encontra um núcleo de peças de design da sua autoria da década de 70. O objectivo da exposição é "dar corpo a um lugar cenográfico e efémero, para os visitantes viverem uma experiência idêntica à Escultura Habitável. O espaço em si próprio empresta uma grande inteligência à exposição".
Miguel Arruda passou a ter uma maior visibilidade junto do público, aquando da sua instalação no CCB. Foi construída à escala arquitectónica em cortiça baseada num módulo por si feito e que apenas possuía uma reduzida dimensão, concebida inicialmente nos anos 60 em ferro cromado exposta na Galeria Diário de Notícias. "Ela surgiu no âmbito de uma pesquisa antropomórfica que sempre me interessou. Houve a ideia de explorar a escala da escultura de 1968, tornando-a um corpo habitável".
"O meu percurso originou uma natureza híbrida"
Com esta obra urbana, o artista transporta a memória formal de uma das suas primeiras esculturas para a actualidade e conferindo-lhe a escala e a experiência espacial da arquitectura. Isto é, de uma peça manipulável passou a ser uma construção penetrável pois as pessoas podem entrar e sentir o espaço interior. Assim, quatro décadas depois a escultura ganhou volume, permitindo o exercício da habitabilidade, assentando numa estrutura metálica, totalmente revestida de cortiça no seu exterior e interior, material moldável associado a um processo artesanal, ligado à inovação e à harmonia com a natureza.
A Escultura Habitável por ser muito sugestiva conseguiu despoletar um conjunto de problemas no plano construtivo, tendo sido igualmente uma obra arquitectónica de carácter lúdico exigindo que o visitante entre nela, interfira activamente, explore os seus volumes, tome conta e se aproprie por momentos, circule, sinta tactilmente e a experiencie livre e sensorialmente. O seu objectivo foi não só provocar sensações junto das pessoas mas também levantar questões onde se cruza a dualidade entre escultura e arquitectura. A sua mudança de escala fez com este objecto se tornasse algo inclassificável.
É um trabalho que sendo uma síntese reúne as preocupações desenvolvidas ao longo das quais marcam o trajecto deste artista ao longo do tempo, situando-se num terreno oscilante entre as três disciplinas que se debruça simultaneamente, onde o título não foi de todo inocente porque justamente esclarece o propósito de abrir novos horizontes e perspectivas. Trata-se também de um espaço que vive na fronteira entre a escultura e a arquitectura; entre a percepção exterior e a vivência interior. Os limites entre eles são muito estreitos e subtis e o artista gosta de estar e pisar nesse campo ambíguo e movediço. "Foi sempre mais estimulante do ponto de vista criativo, um processo de contaminações e de fronteiras abertas. É na sobreposição que me reconheço, onde me sinto bem, onde tenho prazer em estar", diz o Arquitecto.
Penso que é de salientar o processo utilizado pelo artista para a instalação Escultura Habitável, pelo facto de se ter baseado num módulo de reduzidas dimensões, concebida há quarenta anos atrás, e ampliá-la 56 vezes. Será sempre a mesma obra através de um exercício de aprofundamento no plano do ver apesar da distância no tempo, ou pelo contrário estamos perante uma nova peça transformada com implicações inteiramente diferentes mas mantendo a mesma forma? Um dos pontos cruciais no campo da escultura é a escala, o seu aspecto formal e material projectado para um espaço definido. Para Miguel Arruda foi a escultura que o levou à arquitectura, apesar desta última ter estado no seu pensamento desde o início.