Fevereiro de 2012 foi o início de uma bela amizade! A partir dessa data tem sido um constante just play it again Sam a cada dia que passa neste turbilhão de cores, sons e muita energia. Marraquexe é uma cidade única e excêntrica, no Norte de África, que resulta de um fabuloso cruzamento de culturas e da sua fantástica situação geográfica. A cidade fundada no século onze pela dinastia almorávide, foi a capital um vasto império que se estendeu a norte até à Península Ibérica, a oriente até Argel e a sul, para lá do Sahara, até ao Mali e às margens do Senegal. A cidade acolheu ao longo da sua história diversas comunidades. O povo amazigh, o mais antigo do território marroquino, mas também os árabes vindos do oriente com a islamização do Magreb, a comunidade judaica, também ela de origem berbere, os glaoui e outros descendentes de povos subsaarianos que foram permanecendo no território após o final da escravatura. Os europeus que proliferam na cidade sobretudo desde o Protectorado francês (1912-1956), todos participaram na construção da alma plural de Marraquexe.
A cidade localiza-se onde as placas tectónicas dos continentes europeu e africano se encontram, a norte da grandiosa cordilheira do Atlas. Pelo seu clima seco e a sua terra vermelha atribuíram-lhe os nomes de cidade ocre, ou das portas do sul. A verdade é que Marraquexe se situa a poucos quilómetros de colinas e vales verdejantes, das vilas piscatórias da costa atlântica, da estância de neve de Oukaimeden, das cascatas de Ouzoud de 110m de altura, do vale de Ourika, da barragem Lalla Takerkoust ou de inúmeras aldeias amazigh do Atlas.
Toda esta diversidade faz de Marraquexe uma cidade com uma alma especial, neste rico país que é Marrocos, e que tem apaixonado viajantes de todo o mundo que são calorosamente acolhidos pelos marrakchis. Viver em Marraquexe é uma experiência de vida que começa com um grande Salam Aleikum (que a paz esteja com vocês) e que continua com um grande sorriso nos lábios e grande encantamento.
Ao longo destes diários do umbigo quero falar-vos da minha Marraquexe, uma cidade que não é apenas feita de turbantes, camelos, souks e serpentes. A cidade vermelha é muito mais do que isso. É aqui que todos os caminhos de Marrocos se cruzam. Este lugar tem uma componente musical sem a qual não seria o mesmo e por isso escolhi como nome para as minhas crónicas Qualquer coisa... para lá de Marraquexe, como canta Caetano e que tanto me arrepia ao pensar neste lugar:
Esse papo já tá qualquer coisa
Você já tá pra lá de Marraquexe
Mexe qualquer coisa dentro, doida
Já qualquer coisa doida, dentro, mexe
Vim para aqui com um trabalho de investigação sobre o património de origem portuguesa em Marrocos, mais um dos contactos culturais que por aqui se fizeram e deixaram as suas marcas. Escrevo-vos de um dos meus spots preferidos para as minhas reflexões, onde organizo os meus pensamentos, enquanto absorvo os movimentos da cidade, o Mama Afrika, em Gueliz, um dos bairros centrais de Marraquexe, um bairro desenhado pelo Protetorado Francês.
Foi aqui que ontem à noite, mais uma vez, a cidade se encheu de soul com uma fabulosa jam session num diálogo entre um guimbri marroquino, a kora senegalesa do Mady e as percursões portuguesas da Sara e do Sérgio dos Re-Timbrar do Porto que o destino fez cair aqui na sua viagem. As vozes, as cordas e as percursões misturam-se e resultam numa fusão de sons com identidades fortes que resultam numa experiência de interculturalidade. E claro... just play it again Sam!
Cada dia em Marraquexe é uma caixa de surpresas, o factor humano é extremamente importante para tudo o que tem de bom e de mau. Nada é directo nem garantido em Marrocos, para tudo é preciso a negociação, não apenas no plano comercial, mas também humano. Em Marrocos o relógio não vale nada, o que vale é o tempo e é preciso usá-lo e tirar partido disso. É preciso perceber que nada é definitivo e a meio do plano tudo pode mudar. É preciso estar disposto a aceitar as mudanças. Quando percebemos qual o tempo de Marrocos, então podemos usufruir da maravilhosa experiência que é estar aqui com tempo. Sem tempo!
Vou falar-vos dos encontros e desencontros desde este canto do mundo, das pessoas daqui, das pessoas de longe, de todos os que aqui se encontram e do deslumbramento dos encontros e dessas conversas que nos deixam para lá de Marraquexe. Vou falar-vos de Marraquexe, dos souks e dos palácios, da terra e das cores ocres, de outras paragens distantes, das viagens, do deserto e do mar, dos apaixonados, dos artistas, dos inconformados, dos coleccionadores, dos músicos, dos escritores, dos humanistas, dos viajantes, de todos aqueles que contribuem de um qualquer modo para enriquecer esta cultura.
Just play it again...