• none
por

Esta exposição transborda os limites expositivos do Museu Coleção Berardo. Com obras espalhadas pelo exterior do edifício, a mostra coloca o público em contacto directo com a ideia do “Delirium Ambulatório”, forma usada por Hélio Oiticica para despertar nele mesmo o estado de criação latente. A sua aspiração maior a partir dos Penetráveis (que começam com o Projecto Cães de Caça e vão até o fim de sua produção) era que fossem como espaços abertos e cósmicos, onde o indivíduo crie suas próprias sensações sem condicionamentos históricos ou visuais, ou seja, que encontre dentro de si mesmo a chave para um “Exercício Experimental de Liberdade”, como propunha Mário Pedrosa.

helio-oiticica-com-bolide-homenagem-a-cara-de-cavalo

Hélio Oiticica com Bólide B33 Caixa 18 -Homenagem a Cara de Cavalo -1965-1966 crédito: ClaudioOiticica

Fernando Cocchiarale e César Oiticica Filho são os comissários desta exposição que mostra a trajectória poética do artista brasileiro. Poucos artistas reflectiram sobre o seu trabalho com a clareza e a acuidade de Hélio Oiticica. Todas as questões que emergiram ao longo do seu processo experimental, iniciado no limiar da dissolução do Grupo Frente (núcleo do concretismo carioca), em 1958, estão registadas em anotações, textos, entrevistas, depoimentos e cartas. Em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em maio de 1961 ele declara: “Acho importantíssimo que os artistas dêem o seu próprio testemunho sobre sua experiência. A tendência do artista é ser cada vez mais consciente do que faz. É mais fácil penetrar o pensamento do artista quando ele deixa um testemunho verbal de seu processo criador. Sinto-me sempre impelido a fazer anotações sobre todos os pontos essenciais do meu trabalho”.

Metaesquema-1958

Metaesquema 1958

No caso específico de Oiticica, podemos afirmar que obra e testemunho estão a tal ponto entrecruzados que é impossível separá—los sem incorrer em prejuízo para ambos, pois são fundamentais para sua qualificação como artista seminal da vanguarda brasileira dos anos de 1950, 1960 e 1970. A trajectória poética de Oiticica desloca-se da fatura impecável, quase assética, da sua produção inicial, marcada pelo “construtivismo” internacional, para um “construtivismo favelar”. Essa chegada ao Brasil pela via universalista da invenção formal “concreta” e “neoconcreta” consuma-se quando o escultor Jackson Ribeiro o leva ao Morro da Mangueira, no Rio de Janeiro. “Tudo começou com a formulação do Parangolé em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com descoberta dos morros, da arquitetura orgânica das favelas cariocas (e consequentemente outras, como as palafitas do Amazonas) e principalmente as construções espontâneas, anónimas, nos grandes centros urbanos – a arte das ruas, das coisas inacabadas, dos terrenos baldios, etc. Parangolé foi o início, a semente, se bem que ainda num plano de ideias universalistas (volta ao mito, incorporação sensorial, etc.), da conceituação da Nova Objetividade e da Tropicália”. Ele, portanto, chega à Tropicália por meio de um processo que se inicia no “quadro” convencional da pintura ocidental, mas que progressivamente desconstrói em direcção a uma experiência brasileira. Essa transformação não se dá, porém, numa esfera ilustrativa ou representacional. Ela não significa uma mudança temática, mas uma mudança política fundada na participação do “espectador”.

Parangolé1-P25-Capa-21-Xoxoba-1968-FotografiaCésar-Oiticica-Filho

Parangolé1- P25 Capa 21 -Xoxoba- 1968 Fotografia: César Oiticica Filho

Parangole4-P25-Capa-21-Xoxoba-1968-FotografiaCésar-Oiticica-Filho

Parangole4-P25 Capa 21 -Xoxoba- 1968 Fotografia: César Oiticica Filho

A estratégia de oposição de Hélio Oiticica à arte e à sociedade burguesas não se inscreve, no entanto, na tradição libertário—messiânica de teor marxista de grande penetração na América Latina do período, mas na oposição anarco-romântica e na tradição libertina, voltadas para a revolução comportamental individual. Talvez por causa disso tenha salvo sua obra da ilustração temático-social na qual muitos artistas da esquerda naufragaram.

Segundo Pedro Lapa, Director artístico do Museu Berardo escreveu “Hélio Oiticica - museu é o mundo constitui a mais ampla retrospetiva do artista com 117 obras, sendo algumas delas apresentadas nos espaços exteriores do Museu Coleção Berardo. Hélio Oiticica desenvolveu desde 1955 um percurso notável. Partindo da abstracção neoconcretista, procurou explorar novas vias para a pintura fora do quadro, criando dispositivos imersivos para o espectador, como os Penetráveis, ou os Parangolés, suscetíveis de serem vestidos. As suas instalações Tropicália e Éden deram às experiências concretistas uma viragem etnológica e política, a par da reclamação de uma outra relação com o tempo e o prazer. Muitos penetráveis, que abandonaram o museu, perseguindo novos caminhos para a pintura, integram a exposição, bem como a publicação dos seus escritos que permitem compreender como Hélio Oiticica projetou as principais problemáticas com que os ulteriores desenvolvimentos artísticos vieram a confrontar-se."

ARTIGOS RELACIONADOS

Arte

Newsletter

Subscreva-me para o mantermos actualizado: