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Justyna Köke volta ao país natal com uma exposição delirante. Num estado fortemente católico como a Polónia, a temática da família é quase sagrada.  Em Family Secrets, Justyna fala-nos do complicado relacionamento familiar e dos jogos psicológicos e sexuais inerentes. Através de vídeos de performances em roupas garridas de vinil, num design absolutamente visceral, a artista leva-nos a rever a nossa própria existência social numa perspectiva insólita e carregada de humor. Não faltam cavalos cor-de-rosa a dar à luz, crianças em vinil ou guerreiros em armaduras de látex. Justyna fala sobre o seu trabalho em exclusivo para a Umbigo.

Family

A tua recente exposição Family Secrets apresenta o mesmo título do filme escandinavo Festen que retrata relações familiares patológicas. Existe uma relação?

A discussão sobre o título com a curadora, Anna Smolak, devido à sua associação errónea com o filme Festen, levou muito tempo. Decidimo-nos ainda assim mantê-lo apesar de a exposição não ter nada a ver com o filme. Nem sequer os trabalhos nasceram pela influência do mesmo! Family Secrets é uma possível pista na interpretação da obra. O título é uma chave para aproximar o espectador dos meus trabalhos, e compreendê-los. Mas decerto não é a única. A exposição não consistiu só em “histórias familiares de horror”, como diz no início o comentário da curadora. Para mim é uma obra vital e de diversas camadas que fala sobre a vida em sociedade e em família, sobre o combate, e finalmente e talvez o mais importante, sobre a liberação das convenções sociais, conceitos de moralidade, dos preconceitos e dos medos irracionais.

Podes revelar-nos um pouco mais sobre o conteúdo dos teus trabalhos apresentados nesta exposição? Em particular da performance Sodom and Gomorrah e as suas personagens em látex vermelho?

Sodom and Gomorrah é uma obra muito sensual; a sua percepção vem pelas sensações, da vontade do tocar, da vontade de brincar. É intensamente vermelha, mole, é um jogo um pouco a sério, para achincalhar. As crianças participam nela e a sua presença é muito importante para mim. Tem um valor simbólico – indica a continuação, o seguimento, a infinidade. Sodom and Gomorrah é um pouco o antídoto para uma cultura demasiadamente católica. Na exposição Family Secrets foi a performance Sodom and Gomorrah– um tipo de instalação animada e o vídeo Os Cavaleiros que primaram. Sodom and Gomorrah foi o trabalho mais emblematico nesta exposição, as fotos-impressões e o vídeo são somente uma prova da documentação de uma instalação animada, de uma performance. O vídeo Os Cavaleiros é um bom exemplo da minha estratégia criativa – a ligação dos contrastes: mole-duro, repugnante-belo, alegre-trágico...

A exposição no Bunker foi bastante comentada. Que impacto teve em ti?

É-me difícil dizer que importância tem esta exposição para o desenvolvimento da minha carreira. Venho de Cracóvia e expôr no melhor lugar nesta cidade deu-me naturalmente muita alegria mas com a carreira nunca se sabe. Raramente estou na Polónia e na verdade não tenho contactos com as pessoas que se dedicam à arte contemporânea. E, como se sabe, para a carreira os mais importantes são os contactos interpessoais e evidentemente a qualidade dos trabalhos... Espero que, apesar da situação difícil no “mercado da arte”, consiga continuar a desenvolver-me.

Fala-nos um pouco dos teus estudos.

Não fui atraída por uma formação artística como o resto da minha família. Procurava antes algo de concreto. Optei por enveredar na área de conservação de escultura pelo seu lado pragmático... Mas não correu lá muito bem. Após várias peripécias mudei-me para a vertente de escultura por razões muito pouco artísticas. Como mudei de universidades (após o nascimento do meu filho) entre a Academia de Belas Artes de Cracóvia (Polónia) e a Academia de Estugarda (Alemanha), foi mais fácil concentrar-me nos meus estudos. Além disso, a conservação aborrecia-me horrendamente, sentia-me como uma dentista, não dava de todo para a profissão. Grande parte dos meus estudos foram em Estugarda onde desfrutei de uma liberdade absoluta. Os professores não impunham as suas ideias ou objectivos concretos. Para mim foi uma situação excelente, pois não tinha de me sujeitar a um plano; podia tentar tudo e ao meu próprio ritmo. Tive assim a oportunidade de experimentar várias técnicas. Inscrevi-me na classe da cerâmica (não há nada pior do que o transporte da cerâmica!) e dedicar-me à costura e ao vídeo em paralelo. Acho que tudo isto não seria possível em Cracóvia, onde as carreiras multidisciplinares não eram bem vistas. Os professores esperavam estudos sólidos e não viam com bons olhos os devaneios. Claro está, há quem não consiga progredir no sistema académico alemão, ou quem não lhe veja saída. No meu caso este sistema funciona às mil maravilhas! Mas há decerto pessoas que precisam de uma orientação mais enquadrada... Não sei.

Koeke

Qual é ao certo a tua relação com as novas tecnologias multimédia no âmbito da arte?

Presentemente trabalho no laboratório informático da Academia em Estugarda e ensino aos estudantes o uso de programas como suporte na Arte. Pela experiência sei que os estudantes estão mais interessados pelas possibilidades que lhes dão as técnicas informáticas enquanto veículo expressivo. Acho que é um desenvolvimento lógico o uso das novas tecnologias na arte. O seu uso confere uma vertente contemporânea e “trendy” aos projectos, mas não é isto que conta! Acho que a expressão na obra está em primeiro lugar. E é nesta óptica que as novas tecnologias ganham pontos. Concerteza existem artistas que se dedicam mais afincadamente. Mas para desenvolver novas multimédias é preciso uma grande persistência e importantes conhecimentos técnicos, é para os “freaks” fervorosos. No meu meio todos recorrem à multimédia.

Quais são os teus planos para o futuro?

Prefiro não falar muito sobre os meus trabalhos que ainda não foram preparados, ou estão em fase de desenvolvimento. Isto tem a haver com o modo como trabalho. A maioria esclarece-se durante o processo criativo, muitas vezes mudo de concepções, adiciono, resigno, troco de tema. O próximo trabalho será relacionado com a “força” física e psíquica. Como início do vídeo um bodybuilder. E depois? Estou contente que daqui a pouco tempo comece a Primavera, que vai estar mais calor e claro está, trabalha-se melhor nestas condições.

por Davide da Silva (Luxemburgo)

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