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Um alemão místico em Lisboa onde a arte se torna a sua razão de viver

O CAM decidiu realizar uma ampla exposição do trabalho deste artista, sob a curadoria de Ana Vasconcelos, para assinalar os vinte anos da sua morte, tendo parte do seu espólio sido doado à Fundação Gulbenkian por Teresa Balté. Esta mostra conta ainda com o acervo de colecções particulares e públicas, tais como os Museus José Malhoa e do Azulejo e foi prolongada até ao mês de Junho, havendo assim a oportunidade de a poder revisitar.

São ainda revelados aspectos menos divulgados da sua faceta menos conhecida ao mesmo tempo que dá a conhecer o contexto criativo com os seus aspectos mais inovadores. Em 2005, na passagem dos dez anos da sua morte, já tinha sido alvo de uma retrospetiva disseminada em quatro espaços diferentes. A exposição abre com uma ampla fotografia de uma escultura monumental Camaradagem da Derrota, acompanhada da imagem do próprio escultor, em que o original foi destruído, quer pelo passado do artista, quer pelo enredo e contexto anti-heróico. Neste ciclo, da década de 30 fazem ainda parte mais duas esculturas A Ascensão do Guerreiro e A Dor/Dolorosa, como se de um tríptico se tratasse destinado para o pátio da Igreja Evangélica Alemã em Lisboa; tendo sido as suas primeiras obras no nosso País, estreando-se assim em Portugal.

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Camaradagem da Derrota, 1934

A Dor de 1934, (que já fazia parte da Colecção da Gulbenkian), surge evidenciada no exterior, numa das entradas do CAM, num lugar despido em espaço adequado, junto do pequeno lago; contrariamente ao seu primeiro local de acolhimento, de forma discreta, confundindo-se com a própria natureza. Esta peça escultórica é caracterizada por um grande despojamento formal onde se vislumbra a dor espelhada, numa total compleição, num corpo de mulher de vulto inclinado com o rosto direccionado para baixo; reflectindo excelentemente bem a postura de um criador crente, com as suas preocupações inerentes que irão permanecer para toda a vida: à vertente mística, religiosa dando lugar a uma arte essencialmente ética.

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A Dor, 1934

O extenso percurso artístico de Semke (1899-1995) que atravessou todo o Século XX, precisamente, onde a abordagem da arte contemporânea se afirmou definitivamente, dificultou a sua afirmação num período especialmente rico nas soluções inovadoras da esfera artística. Contudo, Semke (mais conhecido como um escultor ceramista) irá desempenhar uma função renovadora; traçando um percurso pessoal congregando uma dimensão do social e político realizado nos variados suportes visuais.

Após ter permanecido em Portugal desde 1932, a maior parte da sua vida, facilmente se integrou na sociedade cultural lisboeta; conseguindo alcançar uma afirmação modernista na qual encontrou afinidades estéticas. Apesar de ter frequentado Escolas de Artes, foi considerado por pessoas ligadas ao meio um autodidata. Aliás, existe um episódio curioso que tem a ver com a sua opção de enveredar por uma carreira artística, antes de ingressar nas Belas-Artes através de uma amiga judia, que lhe disse: "Porque não olhas para as tuas mãos? Tu tens mãos e elas querem trabalhar". Acabou por aceitar o conselho, seguindo para a Academia de Arte de Hamburgo. É um momento que marcou para sempre o seu futuro, na sua intensa evolutiva e pensamento estético.

"Ao fixar a imagem faço uma espécie de arte mágica e evoluo com ela" (H. Semke)

Numa das salas expositivas questiona-se sobre o que é a pintura dizendo: "A pintura é quase a mesma coisa que os desenhos e gravações dos nossos antepassados". As suas composições são resolvidas em grupos temáticos, partindo de uma tendência figurativa nos diferentes géneros mas onde a abstratização começa gradativamente a ocupar a sua forma de conceber as pinturas. Isso é particularmente visível tanto no auto-retrato e na escultura de torsos femininos.

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Sem título, 1932

Numa fase mais avançada no tempo, a partir de 1979-80, surge uma notável série de monotipias, tanto na pintura como na escultura, com estudos reduzidos em pequeno formato, em bronze para grandes formas, dedicada às ilhas Lofoten, após uma visita à Noruega em 1977 que o irá influenciar como tema inspirativo. Aí irrompem cores e formas que atingem uma força expressiva pura e quase abstracta, reveladora de uma liberdade de expressão a que chegou. Sobre essa viagem escreve: «A absoluta humanidade que impregna as obras de Eduard Munch subjugou-me (…) Na noite o céu ardia numa fogueira alaranjada e roxa. As montanhas e as ilhas reduziam-se às silhuetas de sombra". Finalmente, a linha condutora que atravessa as suas obras é resolvida de uma forma persistente através de um olhar expressionista, emotivo e afirmativo do mundo, onde a arte se torna a sua razão de viver, dando-lhe um sentido de vida, uma vocação que não mais abandonará.

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Ilhas Lofoten (Sem título), 1980

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