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Cumplicidade transcendendo a própria arte

Aconselho vivamente e a não perder a exposição dos trabalhos da dupla de artistas que se encontram na Galeria Filomena Soares. São duas mostras paralelas e em simultâneo mas que estão separadas deliberada e fisicamente em espaços distintos onde a própria luz dos locais expostos é contrastante.

Numa das salas, a de Helena está banhada de luz; enquanto a de Artur Rosa encontra-se num ambiente mais sombrio, ocupado por uma única peça escultórica e um projector de slides que documenta a produção do artista dos anos 1970 (década de maior actividade). Na de Helena as composições revelam uma clara figuração de uma maior liberdade no plano gestual; já que nas construções de A. Rosa, persiste uma forte geometria, onde o estudo da abstracção é aprofundado. São, por isso dois olhares, dois sentidos, duas formas de estar na arte e pontos de vista quase antagónicos e, até o factor tempo é revelador, pertencente a períodos diferentes. As obras de Helena são recentes e as de A. Rosa são recuadas no tempo. "Não há qualquer diálogo entre elas. Somos completamente opostos. Ele é muito geométrico, eu não. Trabalho com o meu corpo e o meu corpo é o próprio desenho". Apesar dos caminhos serem diferentes com as suas experiências plásticas ao longo da vida permanece uma extrema cumplicidade entre ambos ligando-os como fio condutor. "Já não expúnhamos juntos há vinte anos. Pensámos em voltar a fazê-lo antes, mas o Artur abandonou as artes plásticas para se concentrar na arquitetura e só recentemente decidimos fazer a exposição", explica a artista.

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"Imagino, visualizo, desenho, desenho até cair, até dizer acabou-se"

O primeiro a ver as peças de H. Almeida é o Artur, foi e é sempre uma testemunha privilegiada do processo; tendo assistido ao momento em que a autora começou a pintar sobre as fotografias afastando-se das telas. "Quando ela se afastou da pintura, comprei uma máquina e comecei a fazer as fotografias. De alguma forma, ela puxou-me lá para dentro. É a Helena que decide e quando vejo os trabalhos finalizados, quando clico, emociono-me", recorda o A. Rosa. H. Almeida expõe uma dezena de fotografias a preto e branco Desenho entre 2012 e 2014 onde se observa o vulto do corpo negro que ocupa o lugar central, sendo a própria Helena, inteiramente vestida de preto, prática que nos habituou de há longos anos a posar à frente da câmara. Ela insiste que as suas imagens não são auto-retratos. A figura, o corpo animado por impulsos, assume grande importância em detrimento do rosto que se esconde. Joga e brinca com um pedaço de papel branco ou um lenço amarrotado num acentuado contraste com o preto da mancha escura do corpo, que se prende às pernas, deixando-o deslizar até ao soalho numa expressiva e complexa dança coreográfica numa sequência de cenas, onde a ação performativa se instala muito ao seu gosto. Nalgumas situações surge uma certa libertação e leveza através dos gestos soltos, como se fosse um bailado; noutras transparece um ambiente tenso transmitindo uma raiva através da posição rígida e hirta do próprio corpo. Pontualmente surge uma cadeira como um contraponto teatral, uma marca de encenação estudada e poderá também ter a função de ajudar a equilibrar/desequilibrar o corpo suspenso, no ar como figura da imagem desenhada pairando no espaço. Por vezes, existe mesmo um risco de queda mas consegue segurar-se.

O desenho é uma disciplina visual que tem acompanhado a criadora desde o início da sua criação artística mas o que lhe interessa assenta no seu conceito propriamente dito. Nas suas fotografias, a linha surge como matéria subtil e aparece como metáfora numa estética própria. "Há coisas que vou buscar aos anos 1970. Os desenhos com os fios, o papel vegetal, mas sinto que há um permanente recomeço. Faço desenhos em qualquer bocado de papel. É directo e tão fantástico, é um mistério". Apesar do formato e suporte das duas exposições serem totalmente diferentes, a presença do desenho como escrita visual encontra-se tanto nas fotografias como numa vitrina com esquissos de desenhos onde se identificam alguns dos movimentos de Helena e na peça tridimensional de Artur Rosa.

Escada é uma escultura de chão/instalação de 1984 que é proveniente do trabalho com a malha logarítmica, sintetizando as suas preocupações artísticas e a sua linha do pensamento. Por sua vez a peça estável/instável imprime uma ideia de movimento perante o nosso olhar. As suas obras vivem igualmente da capacidade do olhar de quem as observa. "Pode servir para subir ao céu ou provocar uma queda", comenta A. Rosa. Helena Almeida prepara uma importante exposição antológica itinerante a partir de Outubro, a começar no Museu de Serralves, seguindo para Paris, Bruxelas e São Paulo no Brasil.

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