ᗅᗺᗷᗅ - Eagle, album track de The Album, 1977; single 1978.
Austrália #82; Áustria #17; França #36
Os ᗅᗺᗷᗅ não necessitam de apresentações. Tão pouco são uma banda com poucos hits. Não obstante, nunca se perguntaram o que haverá para além dos Mamma Mias e dos Dancing Queens? O que haverá nos lados B dos singles e nos álbuns? De onde é que eles apareceram? Quem eram antes do Festival da Canção e do Waterloo? Pois acreditem, há muito por explorar nestes Mammas & Pappas versão 'disco' sueca...
Apesar de já trabalharem juntos desde o início da década de 70, os ᗅᗺᗷᗅ começam em 1972. Ainda com o nome Björn, Benny & Agnetha Frida editam o primeiro álbum, Ring, Ring em 1973, adoptando o nome como mais são conhecidos um pouco mais tarde. A ascensão à fama internacional dá-se com a vitória no Festival da Eurovisão em 1974 com um Waterloo influenciado pelo glam-rock britânico, sendo os ᗅᗺᗷᗅ um dos poucos exemplos de vencedores do concurso que continuaram a ter sucesso após a vitória no mítico festival. No caso do quarteto, o sucesso pode ser categorizado de estratosférico. E quando falo em estratosfera, não é exagero. A transmissão televisiva de um concerto da tour australiana de 1976 teve mais audiência que a alunagem de Neil Armstrong e Buzz Aldrin em 1969. A grande questão que se põe em relação aos ᗅᗺᗷᗅ é quem são estas quase sempre sorridentes quatro personagens suecas e como conseguiram estar no topo durante tanto tempo?
Ao tirarmos os sorrisos, encontramos dois casais dotados de profissionalismo e seriedade que estudavam meticulosamente todos os aspectos da sua música. Desde o som, aos arranjos e chegando à imagem, nada era deixado ao acaso. A junção da exuberante e espampanante Anni-Frid com a mais tímida e reservada Agnetha mais o estilo sóbrio com direito a sorriso pateta alegre de Benny e Björn, era tudo menos casual. A coreografia das danças era adaptada à personalidade individual de cada membro. Os vídeos eram realizados por Lasse Halström, não por um realizador qualquer. A dupla de casais transforma-se em quatro elementos que se complementam e que, de um modo incessante, estavam sempre a trabalhar. Mesmo depois da separação dos casais, o mais importante era a música. De que tipo de música é que estamos a falar ao certo? Música pop, é claro. Possivelmente enervante de tão contagiosa que consegue ser mas indispensável no mundo da música.
Os ᗅᗺᗷᗅ tinham uma queda quase preternatural para melodias infecciosas que ficam na cabeça dias a fio. Quer queiramos quer não, as suas músicas são memoráveis. No entanto, não são tão simples e inocentes quanto isso. Arranjos que passam despercebidos, são fulcrais na procura de um som que esconde mais do que revela. Num dos documentários feitos sobre a banda, testemunhamos como os compositores ficam impacientes com um coro infantil que não consegue fazer o que lhes é pedido. Os ᗅᗺᗷᗅ são exigentes, não se contentando com meras cançonetas. Exemplo maior disso é a faixa Eagle, do disco simplesmente intitulado The Album de 1977 (ano zero do punk rock inglês, diga-se de passagem).
Quase nada nesta faixa é típico dos ᗅᗺᗷᗅ. Começando por ser a faixa mais longa de toda a discografia dos ᗅᗺᗷᗅ, Eagle não é uma música dentro dos parâmetros comuns a tantas outras dos suecos. Melancólica e teatral, Eagle tem ritmo e mistério na sua sonoridade. É, talvez, a música mais Sueca do quarteto pois a melodia da guitarra parece ser tirada de um cancioneiro tradicional nórdico onde diversas obscuras bandas suecas dos anos 60 e 70 foram retirar inspiração (como no caso de Träd, Gräs Och Stenar ou Arbete Och Fritid, para nomear apenas algumas). Será, muito provavelmente, o mais próximo que estiveram do espírito hippie folk que os ᗅᗺᗷᗅ alguma estiveram.
Sim, tem o selo de qualidade reconhecível dos ᗅᗺᗷᗅ. O melodramatismo grandioso, épico e imponente típico dos ᗅᗺᗷᗅ está presente e os tais arranjos quase desnecessários são igualmente audíveis e imprescindíveis. Não obstante, delays e coros majestosos elevam a faixa a terrenos não muito explorados pelos suecos mais bem sucedidos do planeta. A um refrão mais conectado ao universo de bandas como Iron Maiden ou dos pouco mencionados Rainbow (projecto de Ritchie Blackmore, guitarrista de Deep Purple), Eagle tem também aquele que é um dos solos de guitarra mais eficaz de sempre. O longo coda do tema é pontuado por esse solo que se torna uma camada sónica surpreendente para uma banda que muita gente toma por bimbos eurotrash disco. É quasi exagerado mas nunca ultrapassa a barreira do azeite e por vezes é digno de uma suavidade quase jazzística. Ao vivo, aquela que é a música mais longa dos ᗅᗺᗷᗅ, roça os sete minutos. Esse mesmo solo é aumentado em tempo e tocado com uma destreza capaz de levar ao tapete qualquer um guitarrista de heavy metal com pretensões macho.
Visualmente, Eagle tem um raro vídeo promocional próximo do imaginário de ficção científica do final dos anos 70. Corredores caleidoscópicos, luzes titubeantes e psicadélicas composições de imagens tornam este vídeo um espectro que muitas bandas de hoje em dia tentam replicar mas sem metade da eficácia, classe e elegância.
Por ser um tema atípico para os ᗅᗺᗷᗅ, Eagle não teve o mesmo sucesso de, por exemplo, Take A Chance On Me que é do mesmo álbum. Lançado como single no mercado australiano e na Europa Continental (deixando de fora os Estados Unidos e o Reino Unido), apenas alcançou o lugar cimeiro dos tops na Bélgica. De resto, permanece uma pequena bizarria equiparável ao Sweet Song Of Summer' dos Bee Gees*, deixada para espanto de quem descobre esta pérola na discografia dos sobejamente conhecidos ᗅᗺᗷᗅ.
*ver 'NO HIT WONDER Summer Special Edition 2014'
'Nota do autor: Queria agradecer a Ana Farinha (DJ Candy Diaz; co-apresentadora de A Floresta Encantada) por mostrar porque é que se pode gostar de ᗅᗺᗷᗅ.'