DIÁRIOS DO UMBIGO

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Sinto-me qual Sansão desde que cortei o cabelo curto num dia impulsivo de Abril. Perdi poder e perdi mojo. Nem tanto por associar feminilidade a uma longa cabeleira, mas antes porque andar de cabelo curto requer manutenção, que é como quem diz, dinheiro no bolso.

A minha Dalila, uma senhora cabeleireira ignorante das minhas referências dos anos 60, parecia segura do seu talento e sugeriu que entregasse o futuro da minha vida amorosa à sua vontade e ao seu gosto.

Por respeito à liberdade criativa dos artistas e pelo ofício de cortar cabelos, concedi sujeitar-me à sua teimosa e célere tesoura sem piar uma queixa, nem torcer o nariz. O resultado final devia muito ao penteado de mais de metade dos jovens rapazes portugueses, e denunciava as referências futebolísticas da cabeleireira.

Até meio de Maio manteve-se aceitável, mas desde aí que tem crescido feio e sem governo. Ando pelas ruas com um ar de senhora nos seus cinquentas que, achando que já não tem idade para cabelo comprido, opta pelo mais desinteressante dos cortes. De cada vez que me cruzo com um rapaz capaz de me levantar as sobrancelhas lanço involuntariamente a mão à cabeça, como que a desculpar-me pelo penteado fora de moda.

Esta obssessão com o meu cabelo já não vem de agora. Começou com uma verruga no polegar esquerdo na tenra idade dos oito anos.

A minha avó queria levar-me a oferecer cravos ao São Bentinho da Porta Aberta para que ele me livrasse do defeito. (Será que os santos têm poder de escolha no que diz respeito à especialidade dos seus milagres?). O meu pai, para poupar nos cravos e na viagem, convenceu-me a usar o poder da mente antes de recorrer à intervenção santa. Aconselhou-me a pensar com fervor “Não quero esta verruga” umas quantas vezes todas as noites antes de adormecer.

Um dia, acordei sem verruga. Assombrada e fascinada, decidi que havia de usar as fantásticas capacidades da minha mente para transformar o meu cabelo. “Quero ter caracóis” – pensava todas as noites quando não me esquecia.

Devo ter-me esquecido demasiadas vezes... Mudar informação genética é mais complicado que remover verrugas. Obriga a mais esforço e persistência. E eu não dei tudo o que tinha. Consegui apenas sacar umas ondas discretas em vez de uns caracóis definidos.

Ondas que não se dão a todos os penteados e que andam agora a matar-me a auto-estima!

Este não é drama tão real e merecedor de discussão quanto o desespero de andar desempregada, mas tem consumido muito dos meus pensamentos, que tão mais bem aplicados estariam com questões metafísicas e homens nus.

Os amigos do sexo masculino que lêem isto e estão de sorriso condescendente, a achar que as mulheres e as suas futilidades são criaturas muito exóticas, queria avisá-los que problemas com pelos e cabelos afectam os sexos de igual modo.

Há ensaios e dissertações sobre as mulheres e os pelos das suas pernas, no entanto, nunca ninguém se lembrou de debater a relação que os homens têm com os pêlos da sua cara. Nunca ninguém os acusou de submissão cega aos desejos do sexo oposto, nem de vaidade desmedida por se barbearem religiosamente.

A relação que os humanos têm com a cobertura sedosa da pele, sempre sujeita às modas do tempo, é uma relação complexa, uma batalha da imaginação contra a natureza.

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