Creedence Clearwater Revival – Ramble Tamble (LP Cosmo's Factory, 1970, #1 USA, UK, França e Noruega; #2 Holanda).
A minha história com os Creedence Clearwater Revival começa com umas festas em que o meu irmão mais velho e os amigos dele, metaleiros da velha guarda dos anos 80, trocavam os últimos álbuns de Anthrax e Slayer por velhos singles dos Creedence Clearwater Revival. O meu irmão falava imenso de uma música em específico, Commotion, que pode ser classificada hoje em dia como proto hard rock.
Uma compilação barata e uns anos mais tarde, estava a ver os discos do avô da minha primeira namorada e, entre António Variações, Amália, The Beatles e José Afonso, estava um disco duplo com dois álbuns dos Creedence Clearwater Revival. Um deles era o Cosmo's Factory, o quinto da banda cuja capa tem os membros do grupo numa espécie de ginásio musical (é o baterista de bicicleta que dá essa sensação). Apesar do ar não muito auspicioso da capa, foi com a primeira música desse disco que finalmente me apercebi da complexidade aparentemente simples dos Creedence Clearwater Revival.
Oriundos da Califórnia, os Creedence Clearwater Revival primam por não ir atrás de modas. Ao invés de flores, cores vistosas e jams carregadas em LSD, o quarteto oferece camisas de flanela, pântanos sulistas e um primeiro regresso ao fértil terreno do rock and roll dos anos 50. São, sem dúvida, um produto dos anos 60 mas não se podem considerar datados.
Ramble Tamble começa com uma guitarra que permite aos restantes instrumentos entrar levemente antes de se transformar num boogie clássico. No entanto, há um ligeiro nervosismo desde os primeiros instantes que foge um pouco à norma dos grandes êxitos do quarteto californiano. Antes da marca dos dois minutos há um desaceleramento e eis que se revela uma das mais hipnóticas passagens musicais de que há registo na história da música. Um simples dedilhado, que poderia ser xaroposo em mãos menos hábeis, abre espaço para uma inesperada curva na estrada desta canção.
É aqui que o tema ganha dimensão. O simples dedilhado torna-se impaciente, a bateria inquieta, o dedilhado passa a riff e isto sempre em crescendo. A bateria não se contém, entra numa batida dupla e, inesperadamente, entra um feedback subtil mas intenso. Também este cresce em raiva, fúria e melancolia. Como uma má sensação de incapacidade envolve gradualmente alguém antes de se tornar em raiva física, a intensidade deste tema torna-se quase insuportável e a música prossegue até atingir o seu esperado clímax.
Voltamos à base boogie da música. No entanto, a viagem a que os Creedence Clearwater Revival nos obrigaram a fazer, abriu uma nova perspectiva e o boogie já não soa tão inocente como quando o tema começou.
Liricamente, também não há inocência no mundo dos irmãos Fogerty & Cª. Apesar do pendor sónico maioritariamente optimista e alegre da grande parte dos seus temas, esta noção revela-se enganadora. Em John Fogerty, os Credeence Clearwater Revival encontram um crítico ácido da sociedade norte americana da altura. Ramble Tamble não foge à regra e anos antes de Ronald Reagan ter sido presidente dos Estados Unidos, já John Fogerty fala dos 'actores' que passavam pela Casa Branca, da desilusão da geração hippie, da pobreza e da desumanização geral de um mundo moderno. Quiçá exagerando, John Fogerty é um dos maiores letristas da canção de protesto americana ao nível de um Dylan ou de uma Baez.
Na humilde opinião deste vosso escriba, é inacreditável como esta obra prima é tão negligenciada no cânone dos Creedence Clearwater Revival. Celebremos então este potente e poderoso frenesim e let's ramble tamble como se não houvesse amanhã.