O que adoro na moda, é a sua capacidade – brilhante –, de surgir do nada quando estou prestes a desistir dela (tal é o nível de desmotivação e descontentamento com a não-novidade), de me pregar um valente par de estalos, dois abanões e gritar aos ouvidos: a moda! Ah a moda pode ser, sim, maravilhosa!
Não me convenço de que a moda seja maravilhosa, no seu conceito mais genérico. O mundo da moda tem, aliás, um mar de coisas que não me interessam e tão pouco me identifico. O que faz dela algo maravilhoso, são as (certas) pessoas maravilhosas que nela habitam. Brilhantes. De se lhe tirar o chapéu. De nos fazerem sentir pequeninos e insignificantes naquilo que achamos ser, saber ou conhecer, acerca da arte de criar.
Não tenho por hábito nomear o elegantíssimo tio Karl, defile após desfile, naquela postura de “já se sabe que é bom, não é novidade”. Como se o brilhantismo, quando constante, não tivesse direito ao estrelato. De facto, o seu brilhantismo é ponto assente over and over e deveria ser sublinhado over and over. Numa repetição tão repetitiva quanto esta que acabei de fazer.
Primeiro, é de vangloriar como é que, décadas e décadas depois, o criador consegue manter a presença do tweed, imagem de marca da casa Chanel, através de colecções onde nada é igual e tudo parece novidade. Não há uma peça igual e o tweed ganha novos contornos, novos conceitos e novas vidas – sim, o tweed, qual gato, tem dezenas ou centenas de vidas. É fascinante a capacidade de alguém manter o ADN de uma marca, como Lagerfeld, naturalmente, o faz.
Depois vêm os desfiles que são sempre verdadeiros shows, onde tudo é pensado em detalhe e nada acontece por acaso. E por fim, vem O desfile. Aliás, depois vem Karl que resolve levar-nos ao supermercado. Ou melhor, ao Chanelmercado.
É impossível ficar indiferente a um Grand Palais, que de repente é um espaço de consumo – no fundo um desfile não deixa de ser um espaço de apelo ao consumo – onde Delevingne's ou Rhianna's (surprise!), entre outras modelos-meras-mulheres-que-vão-ao-supermercado, enchem carrinhos de mantimentos logotipados a C's perfeitos, em embalagens lindas que, de facto, apetecem comprar. As prateleiras empilhadas com mais de cem mil itens, descaradamente anunciados a 20 ou 50 por cento a mais (não há pechinchas nos corredores do Chanelmercado), encontram-se carregadas de chiques botões pretos de algodão vendidos como bâtonnets elegants, caixas de lenços rotulados Les Chagrins de Gabrielle, pintura de casa numa cor chamada Gris Jersey, detergente, batatas fritas, um departamento de hardware, que contou com uma serra eléctrica com uma cadeia Chanel real. A cereja no topo do bolo? A reformulação de um poubelle sac (saco de lixo) como um saco plus belle (definitivamente, não um saco de lixo qualquer).
Ah, sim , a moda. Depois de colocar as sapatilhas na alta costura há uma temporada atrás, para aqui foi criada uma colecção do zero. “Eles tinham de continuar”, disse, rematando com “se quisermos parecer realmente ridículos, vamos ao supermercado de stilettos” – e ninguém quer parecer ridículo, muito menos aos olhos do tio Karl. Nas silhuetas a variedade era imensa, desde o fato-de-treino com laivos trashyanos de Delevingne, passando por uma bainha de flores coaguladas que surgiram no final do desfile, até ao jumpsuit preto em veludo, ultra-chique e maravilhosamente conjugado com um par de sapatilhas (defintivamente, a peça a manter).
A colecção tem sido alvo de críticas, eu acho-a apenas fora da caixa, divertida e original. Nesta celebração épica do consumismo, a matriz de Lagerfeld é simples e redonda: “fashion is a supermarket. So you might as well shop”. Acho justo.