DIÁRIOS DO UMBIGO

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São poucas as coisas em moda proibidas por natureza, no entanto, a meia dúzia que é excepção à regra, deve ser religiosamente cumprida. Isso inclui: não usar Crocs, Fly London, meias na cama e dizer jamais “desta água não beberei” (excluindo, é claro, se a “água” forem Crocs, Fly London ou meias na cama). Proferir as palavras “desta água não beberei” no mundo fashionista, pode habilitar-nos a que, a certo e determinado dia, tenhamos de enfiar a carapuça, olhar para o lado, rebolar os olhos para o céu e ter a triste saída “está imenso frio, não está?”, usando o tema tempo, para escapar àquele momento constrangedor.

Eu, do alto das minhas certezas certezinhas, passei a minha vida a dizer que não. Não's redondos e (quase) sempre assertivos. “Nunca na vida vou usar isto. Nunca na vida vou usar aquilo. Que horror, eu a usar aqueloutro? Nunca!”. Tem sido mais ou menos assim e tenho sido mais ou menos constante. Tirando, é claro, um ou outro episódio em que, de facto, “hum, ãh, eu disse isso? (falar no tempo) não, deves estar a fazer confusão”. Não estava. Eu odiava Birkenstocks. De facto, eu detestava-as com todas as minhas forças. Uma espécie de alergia quase tão forte como a que tenho às Crocs.

Mas de há um ano para cá que tudo mais-ou-menos mudou. Num longo e doloroso processo que começou na semana da moda de paris, primavera/verão 2013. Mais especificamente, quando Phoebe Philo (vénias vénias e mais vénias), apresentou, na sua mais-que-maravilhosa colecção, looks com a genialidade do corte e das linhas mestras a que já nos tem habituado, brilhantemente rematados por sandálias rasas estilo freak-shanty-comuno-pseudo-intelectual (é que nem sequer freak-fashion), também conhecidas por Birkenstock. Ou furkenstock, graças ao revestimento em pelo – o real match point que originou as Céline furks.

Ao choque inicial que se debateu sobre mim, juntou-se uma estranha esquizofrenia de sentimentos entre o amor e o ódio. O amor ao perfeito que aquilo ficou. Ao conforto que aquilo emanou. Ao cómico de situação que a moda, a rir-se na nossa na cara, nos submeteu. O ódio ao meu ódio pelas Birkenstock. O ódio ao meu desdenhar das Birkenstock. O ódio à sua feiura e que também por isso as tornou, naquela passerelle, o cúmulo do effortlessly cool. Nessa mesma altura fiz um post lá no meu sítio, onde ainda questionava a peça com um “hot or not”. O not ganhou e foi aí que tive a certeza que sim, eu usaria umas furkenstock. Mas não usei. Primeiro porque não as podia comprar, segundo porque para usar umas Birkenstock de mau gosto, como as que vi na altura, preferia continuar descalça ou manter as minhas havaianas pretas do mais básico que há.

Corta para um ano mais tarde, vulgo primavera/verão 2014. E foi ver-me admirar de um pedestal e com um sorriso rasgadíssimo, a febre das Birkenstock, estilizadas pela casa Céline, a chegar a todo o lado e mais algum. Vimo-las em editoriais (Miranda Kerr para o september issue da Vogue UK), nas passerelles em Givenchy (sim Givenchy...), Marni ou Isabel Marant, babámos com elas nos pés das style icons por esse mundo fora, e vimo-las aos pontapés nas (melhores) plataformas de shopping online que, de fio a pavio, sugeriram modelos atrás de modelos, para todos os gostos e bolsos.

Dito e feito, as Birkenstock transformaram-se, nada mais nada menos, que na peça-chave da estação. É fazermos um favor a nós próprios, esquecer tudo o que é salto alto e mergulhar à vontade no gozo que é poder alcançar o epítome da sofisticação fácil, sem qualquer tipo de esforço, queda na calçada, dores ou bolhas nos pés.

Enfim, poderia dizer que é a magia do feio-tornado-bonito, de que só a moda é capaz. É mesmo exímia a fazê-lo. Mas prefiro passar à acção. E uma vez que já passou um ano, e que já engoli cada letra do “e r a i n c a p a z d e u s a r b i r k e n s t o c k “, aguardo tão somente e ansiosamente, os primeiros raios de sol para usar e abusar do conforto absoluto das sandálias feias, mais lindas de sempre. Isso e encontrar o par perfeito, mas isso já são outros quinhentos.

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