DIÁRIOS DO UMBIGO

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Há discos que são exactamente como as verdadeiras amizades: acompanham-nos nos bons e maus momentos, dão-nos consolo, fazem-nos sorrir, emocionam-nos e nunca perdem a importância mesmo que estejamos muito tempo sem os ver/ouvir.

É isso mesmo que este álbum é: um velho amigo que ainda por cima me foi dado por um velho amigo. Um álbum que me acompanhou em mudanças que vão das geográficas às emocionais. Um dos álbuns que marca o meu deixar da meninice em Portugal para abraçar com todo o esplendor a idade adulta, quase que em jeito de 'gaiola dourada'.

Esta semana reencontrei-o e a sensação não poderia ter sido melhor. Não houve hesitações, toda a cumplicidade antes construída não cedeu 1 milímetro passados quase 10 anos.

Falo do dois em um: I Haven't Got Anything Better To Do e A Certain Smile, A Certain Sadness, colaboração de Walter Wanderley com Astrud Gilberto, uma das minhas divas brasileiras preferidas. Sim, dois álbuns num. Perfeito!

Datado de 1966, esta é uma das edições que veio atear ainda mais a febre do mercado norte-americano pela tropical bossanova.

Depois de ter conquistado o mundo ao gravar The Girl from Ipanema com o então marido João Gilberto, Astrud Gilberto é, neste registo, a personificação da inocência, perfeita a transmitir a emoção e exuberância juvenil aos mesmo tempo que não se coíbe das mais assombradas ressonâncias.

Na primeira parte,  I Haven't Got Anything Better To Do, somos transportados para o tempo em que o amor era o melhor hobbie de todos, aquele tempo em que o amor não tinha pressa, em que era cantado com um romantismo feito de arranjos de cordas cortantes. E a Burt Bacharach temos de agradecer a herança de tal amor perdido. Aqui, Astrud Gilberto capta-o na perfeição e imortaliza-o para delícia dos nossos ouvidos e corações.

Entre amores correspondidos, desencontros, rompimentos, reconciliações, em 10 temas, chocamos frontalmente com um tsunami de esperança.

Na segunda parte, como o próprio nome indica,  estamos perante um conjunto de canções que se divide entre os dois mais extremados estados de espírito: a alegria e a tristeza, sem que se excluam.

Ou seja, é um affair cheio de brilho com os toques de melancolia certos. A cola são os arranjos delicodoces de Walter Wanderley, um dos maiores organistas do tempo da Bossanova que elevou o seu sucesso à escala global com este álbum.

Tudo neste álbum é easy: a voz, as letras, os arranjos imaculados do mestre Wanderley.

E, apesar de easy listening com sotaque adocicado parecer uma das maiores redundâncias, nada aqui é redundante. Como não o são as amizades e os amores verdadeiros, mesmo que não tão easy.

Depois deste emocionado reencontro, só me resta reencontrar o amigo que me ofereceu tão valioso presente e com ele trautear "It's a Lovely Day Today".

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