DIÁRIOS DO UMBIGO

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Sentei-me no café ao pé de casa decidida a escrever o artigo que há-de inaugurar este diário com estilo. Tenho listas de ideias, de títulos, de músicas e de filmes. De nada valem. Só me ocorrem frases do Vinicius de Moraes, do Chico Buarque, do Cartola, eles que não têm vergonha de falar de amor e de corações dilacerados.

De que servem os filmes que vi, as bandas que conheço, se não há assunto que importe discutir quando se sofre de amor. Os meus dias vivem-se em função de um coração partido. De manhã acordo depressa, maníaca e a rebentar de entusiasmo. No banho, tantas são as ideias rápidas, brilhantes e nervosas que surgem e desaparecem em segundos. Venho para o café e escrevo listas, mas o tempo miserável derrota-me lá para as três da tarde.

Novata nas dores do coração, desconfio que ninguém sofre de amor no Verão, ou numa Primavera florida e assumida. É o frio nos ossos que alimenta os sintomas bipolares: as decisões drásticas e as mudanças de humor. E é certamente, mais uma vez, o frio que estimula uma qualquer hormona por descobrir que me obriga a abanar ora a perna direita, ora a esquerda descontroladamente (segundo os cientistas, abanar as pernas é afinal um sindroma estudado, em vez de um tique de ansiosos). E se não fosse o frio, não havia de repetir pensamentos e querer repetir sensações. Nesta obsessão-compulsão, a música toca diferente e só há um disco que me satisfaz: O Sweetheart of The Rodeo, dos Byrds.

Se a Wikipédia não me engana, os Byrds são uma icónica banda norte-americana dos anos 60, que passou por várias formações (Roger McGuinn foi o único membro presente em todos os álbuns lançados), e pelos vários estilos da década, desde o folk ao rock psicadélico. É também a banda que escolhi não conhecer no Verão de 2007.

Estava num festival de vídeos e documentários musicais na Póvoa de Varzim, quando o Nuno Galopim me disse que o único mérito do Bob Dylan era ter escrito meia dúzia de canções que deram em boas covers para os Byrds. Deles, conhecia apenas uma ou outra música das fases pop e psicadélicas, e das famosas versões do Bob Dylan, a Mr. Tambourine. Devota do Dylan e perante tamanho sacrilégio, assumi que uma banda de versões não podia ser mais do que uma banda de terceira categoria.

Mas não há como uma desilusão amorosa para questionar dogmas, e o passar dos anos para se criarem novos credos e devoções. Agora, despedaçada e politeísta (jamais eclética), de canção triste em canção triste, fui ter à You ain’t going nowhere do Bob Dylan pelos Byrds quando se juntou à banda o Gram Parsons (um dia hei-de contar-vos a história deste homem, um conto tão trágico, tão romântico, tão cinematográfico, que requer um calejo e uma poesia que ainda não possuo).

Essa canção que abre o Sweetheart of the Rodeo, juntamente com todas as que se seguem converteu-me à banda e tem acompanhado estes dias chuvosos. Diz-se na internet que os Byrds são a melhor banda de versões do Bob Dylan de sempre, mas são na verdade a melhor banda de country de sempre. Digo isto num momento de irracionalidade, baseada num único albúm, e se fosse hoje há 15 dias diria o mesmo dos Flying Burrito Brothers.

Desafio todos os mal amados e os desiludidos a ouvir a You don’t miss you water ou a Hickory wind (na versão cantada pelo Gram Parsons). O resultado será uma enxurrada de louvores e homenagens aos Byrds em textos sentidos e exageros inflamados. Se é para doer, que seja com duas versões do Bob Dylan, duas canções dolorosas do Gram Parsons, e uns quantos clássicos reinventados. Que seja com letras estrangeiras, paisagens distantes e country triste. Que seja com o Sweetheart of the Rodeo.

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