Dizia Baudelaire, no alto do seu Século Dezanove, que era melhor alguém se certificar que tinha mesmo dinheiro antes de querer ser um dândi. As vestimentas, os adereços, a vida prazerosa, tudo isso gritava pela existência e exigência de dinheiro. Mas pode-se “querer ser um dândi” ou é apenas uma condição inata a algumas pessoas?
Todos podem tentar mas a maioria irá falhar pois não se tenta, é-se. É natural como o sol nascer pela manhã, como a lua erguer-se ao anoitecer ou como o bife do Snob ser uma maravilha. No entanto aquele aparato leva ao engano muitas pessoas que pensam ser apanágio de um dândi não apenas a riqueza mas uma posição ou até mesmo sangue azul. Nada mais errado caros vulgares, um dândi não se rege por títulos ou por dinheiro mas sim por estilo, atitude e um refinado bom gosto. E qualquer um pode ser um dandy independentemente das suas posses, posição ou título. Aliás, raramente alguém com essas três características foi ou é um dândi.
Portanto, eu no alto do meu Século Vinte e Um a braços com uma crise ergonómica, perdão, económica, brado a bom bradar: nada mais errado caro Baudelaire!
Urge portanto a arte refiné de extrair leite das pedras, ou seja, de conseguir aquele lenço tal que não sendo Hermès se parece ou até ultrapassa o mesmo, ou alguma peça antiga da Secla que tente fazer esquecer aquelas lindas porcelanas do Eduardo Nery para a Atlantis Vista Alegre. A vista alegre é o que sinto sempre que passo naquele Largo do Chiado e de um lado a francesa Hermès e do outro a portuguesa Vista Alegre, delírio colírio para os olhos. E o Pessoa logo ali sentado a beber café, mas na Bernard imaginamos Proust prostrado a molhar a sua madalena num chá. Tanto bebeu que morreu de humidade. Pessoa também sofria de humidade, um mal muito português. Naquela Bicha-Chiado, perdão, Baixa-Chiado é mais complicado extrair leite de pedras, mas ainda bem por um lado pois a procura apimenta a criatividade e o fácil nem sempre é o mais apetecível.
Lojas na Baixa, em alguns bairros não tão centrais, feiras várias agora na moda, etc, podem ser alternativas a encontrar coisas interessantes. Mas os olhos comem e engordam cada vez que percorro o Chiado, Príncipe Real ou Avenida da Liberdade. Longe muito longe do fashion victim e perto muito perto de um slogan que é meu mas poderia ser de Marx; todos deveriam ter direito a um fato italiano.
Outra confusão que os caros vulgares fazem por vezes é confundir dandismo com moda e tal. Apesar de gostar de moda e do seu mundo, um dândi não se rege por moda mas sim cria a sua moda, o seu estilo pessoal, acima de tendências. É a sua singularidade que interessa, o ser diferente e saber que existem outros poucos assim. Uma tribo urbana que valoriza os lenços invés da tatuagens e os sapatos invés dos piercings. O genuíno “underground” portanto. Nem a alta moda nem a moda de rua. Uma tribo muito antiga mas contemporânea, com subgéneros dentro dela. Falarei das minhas influências na próxima crónica pois fui comprar uma patanisca de bacalhau e acabo de ver um sósia português do Boris Vian no mesmo café. Uns comem madalenas, outros pataniscas.