Esta crónica deverá ser acompanhada pela audição do “Nocturno” Opus 9 de Chopin.
O “Nocturno” ao fundo como easy listening e um tremor aos meus pés.
Nunca sentiram por vezes em algum local de Lisboa um ligeiro tremor? Sinto neste momento, na base deste mesa, no pé da mesa onde repouso um dos meus sapatos castanhos de pele cozidos à mão, e só existem duas explicações plausíveis para a existência desse tremor; pequenos tremores de terra constantes devido à localização de Lisboa como sabemos ou o metropolitano a passar por debaixo de onde me encontro. É mais provável neste caso a segunda hipótese; Mesa do antigo/novo Café Império, estação Alameda, linha verde. Encontro-me sozinho numa mesa do Café Império num Sábado à noite, num estúpido Sábado à noite a meditar sobre a estupidez humana. Cansaço de alma mas também de corpo pois as pernas doem-me de ontem mas mesmo assim vim de propósito da Graça até aqui pois calculei que arranjaria uma mesa vaga onde pudesse começar a ler o novo livro em paz, sem gente aos gritos no café, barulho de copos e louça a lavar, figuras tristes que o Sábado à noite fomenta em quantidade e qualidade. Foi isso que vi pelo caminho, General Roçadas até à Praça Paiva Couceiro, onde existe agora um café chamado “Cantinho do táxi”, muitos táxis à porta em segunda fila e lá dentro bigodes e tais. De seguida pela Morais Soares, carismática e popular, só os cafés e restaurantes abertos à noite numa rua extremamente comercial. E uma vulgaridade geral, uma pobreza de espirito e de estética, as ações e reações, as atitudes, o próprio Sábado à noite como grande cliché da vulgaridade. A crise económica e social não é razão para isso, só infelizmente para a fome e a miséria, mas não para a miséria de espirito e social. E aqui cheguei, e como calculei arranjo uma mesa solitária e tranquila para mim e para o meu “Os Hipopótamos cozeram nos seus tanques”, o primeiro livro Beat a ser escrito mas só editado décadas depois. Aqui nesta parte de cima, o café, estão mais velhotes, lá em baixo no restaurante não espreito mas percebo haver mesas ocupadas. É bom, pessoas em restaurantes, tomara todas pudessem. O Império como edifício foi planeado por Cassiano Branco em 1947 e terminado em 1952, embora o café em si tenha sido inaugurado em 1955. O Modernismo em ebulição tal como o café na máquina e isso nota-se ainda na arquitectura e alguma decoração.
Sinto-me bem em espaços modernistas, transmitem-me uma paz, uma espécie de igreja, da alma e da estética. Local perfeito para meditar sobre a estupidez humana. Dizem que na Alameda, na Fonte Luminosa tem havido exibições de luz. Voltarei outra noite, acompanhado, pelo nocturno, e por quem amo.