Dezembro de 2013. Quase Natal. Já pressinto o sabor dos sonhos, doces sonhos.
Pai, Filhós e Espirito Santo e a pastelaria do Cesariny estará aberta toda a noite. Ainda umas noites atrás tinha na mão manchas vermelhas. Susto na mesa, o poeta cortou-se! Não era sangue, era do crumble de frutos silvestres da Sofia. Vermelho de véspera de Natal e está frio e chuvoso. Passado presente futuro Scrooge é um pão duro. Terá aprendido a lição? Contraditória sensação que me habita a alma por estes dias. Preciso de um café, o café é o edredom da alma.
Janeiro de 2014 e vindo dos Anjos subo a colina da Estefânia. Dentro do Hospital vagueia levitando o fantasma da esposa de Dom Pedro V, a Rainha Dona Estefânia. É o que se diz, os médicos e enfermeiras, bem, pelo menos alguns, os que a viram e, os que não tendo visto, acreditam em fantasmas. Fantasma é o nome popular e tendencialmente pejorativo para designar “espírito”. Um “fantasma” assusta as pessoas. Não consta que o fantasma da Dona Estefânia tenha feito mal a alguém, assustado sim, as pessoas assustam-se.
É mais comum encontramos vivos-mortos do que mortos-vivos embora, o cinema e a televisão só explore os segundos. São os vivos-mortos que me assustam. Dona Estefânia provavelmente faz uma espécie de fiscalização para ver se o hospital que fundou em 1877 está a ser bem tratado. É um bairro que ainda possui resquícios disso mesmo, de bairro, com comércio, muita habitação, rua largas e, ao mesmo tempo, longe e perto do centro. Um belo largo com uma bela fonte. Um bairro algo típico de antiga classe média em perigo de extinção (tanto o tipo de bairro como a classe). Foi provavelmente daqui, deste “bairro moderno” que Cesário Verde saiu para a sua deambulação até ao Tejo no Sentimento de um Ocidental. Se não foi pelo menos teve direito a uma estátua no largo com o seu nome.
Já em Picoas, no Saldanha Plaza, observo o mural ao pé do cinema. Dorothy caminha alegremente de braço dado e a cantarolar como os seus amigos espantalho, homem de lata e leão. Vão a Oz pedir ajuda ao feiticeiro. Umas horas antes, tinha visto num filme na televisão o amigo de John Cusac dizer a este a propósito de romantismo e sincronicidade: “Se calhar está na hora de afastares a cortina e desmascarares o feiticeiro”. Oz, provavelmente, está menos presente na cultura pop do que Alice no País das Maravilhas. Assim de repente, lembro-me da Bruxa Má do Oeste naquele outro conto de fadas moderno que é Wild at Heart de David Lynch, do álbum de Elton John Goodbye Yellow Brick Road ou do fanzine hippie OZ. Mais haverá mas teria que pesquisar, certamente bem menos que o País das Maravilhas da Alice.
Volto para casa pelo mesmo caminho com os fantasmas que me rondam a cabeça. Acredito igualmente no feiticeiro de Oz, mas por vezes falho no livre-arbítrio. O que não acredito é em calendários e não gosto de clichés, no entanto, vou tentar não cometer os mesmo erros em 2014. Totó, não estamos no Kansas, estamos na Estefânia.