Nota preliminar
Há cerca de duas semanas que já vinha programando escrever uma crónica só com frases lidas durante a semana nos vários livros que tenho sempre abertos. Para além disso, tinha pensado organizar essas citações por temas ressaltados a partir das palavras nelas contidas. Depois de duas tentativas frustradas por razões diferentes (na primeira, o discurso superou o plano, resultando numa crónica incompleta a pedir continuidade e na segunda a realidade superou a ficção, resultando numa crónica-requiem que ficou aquém dessa classificação). Vamos a ver se à terceira é de vez.
As músicas-arranques necessárias para prometer o que é devido
Antes de avançar vou pôr música. Eis a minha primeira escolha. Aumento o volume. Começa a soar: Adagio For Strings John Williams de Samuel Barber que faz parte da banda sonora do filme The Deer Hunter, dirigido por Michael Cimino. Ouço esta música e não consigo escrever nada.
A seguir pus Mora na Filosofia de Caetano Veloso. Pareceu-me uma escolha natural. Há dias em que precisamos de ouvir música para começar a fazer alguma coisa. Há músicas que nos fazem chegar a frases nunca antes imaginadas. Há músicas que nos fazem abrir as persianas e deixar entrar o sol e imaginar que amanhã vamos surpreender-nos e que enquanto há vida pode haver um futuro fascinante que nunca devaneámos, pois há encontros que acontecem para comprovar que nem sempre conseguimos saber aquilo que nos fará felizes mesmo em segredo.
Por outro lado, há músicas que nos fazem escrever isto: “Um dia cheguei a casa à noite muito angustiado sem razão aparente. Apeteceu-me ouvir Nina Simone. Ajudou-me a adormecer. Tive um sono agitado. No outro dia, acordo e vou tomar o pequeno-almoço. Comecei a ler o jornal de trás para a frente como sempre e parei numa página que anunciava em letras garrafais: NINA SIMONE MORREU ONTEM À NOITE EM PARIS.”
Agora e antes de começar a cumprir aquilo que me propus fazer há duas semanas, reproduzo a letra de uma música de Caetano Veloso, intitulada Mora na Filosofia. Esta música tem um título que eu gostava de ter escrito ou que alguém me dissesse ao fim de dois anos de convivência num sussurro fora da cama, ou seja, fora do prazer desbocado. Gostava que fosse um sussurro com a mesma importância que podemos encontrar como frase final de uma tese de doutoramento ou quando se bate com a porta da casa que se abandona porque se tem a certeza que o amor tem outro código postal e possui outro número de telefone.
Caro/a leitor/a, ouça-se a música e leia-se a letra:
“Eu vou te dar a decisão/ Botei na balança/ E você não pesou/ Botei na peneira/ E você não passou/ Mora na filosofia/ Pra quê rimar amor e dor/ Se seu corpo ficasse marcado/ Por lábios ou mãos carinhosas/ Eu saberia, ora vai mulher,/ A quantos você pertencia/ Não vou me preocupar em ver/ Seu caso não é de ver pra crer/ Tá na cara”
Façamos uma pausa em conjunto e coloquemos, eu e tu leitor/a um autocolante nas costas a dizer: VOLTO JÁ!