DIÁRIOS DO UMBIGO

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Colina acima a subir o resto da Graça, o ar começa a ficar rarefeito, os pulmões apertam e sinto-me mais dizzy que Gillespie. Espero não encontrar neve lá no topo. Não trouxe os esquis. Mas vou quente, quente de anseio, anseio de Jazz, anseio de Hard Bop. E do Henri Salvador que sei onde encontrar a excelente preço e para lá me dirijo, em brasa. E chego então ao topo da colina, ao Largo da Graça, não há neve, só a respiração ofegante da escalada, mas passo acelerado e vou colina abaixo, desço a Calçada da Graça a caminho de uma das minhas bifurcações preferidas, aquela no início da mesma Calçada e que divide a Graça, o Castelo e a Mouraria.

E desço de novo a colina, pela Calçada de Santo André, calçada e comprida, pois desagua na Rua dos Cavaleiros, e onde encontramos ainda algum comércio antigo mas também novas lojas a aparecerem. Especialmente ateliers de arte decorativa, e passo pela mitra nativa ou residente na zona. Sempre estão ali, faça chuva ou sol, com seus gorros de lã, roupa desportiva (alguns blusões dizem nas costas No Name Mouraria), sigo carris abaixo rente às lojas de indianos e paquistaneses e chego ao Martim Moniz, o qual atravesso de uma rajada para continuar em frente pela Rua de São Lázaro. Outra vez colina acima e chegando ao Campo de Santana de novo colina abaixo, até à Rua do Telhal, ao local onde mora o Salvador, amén.

HardBop-1

E com o Henri Salvador já garantido debaixo do braço ao preço-pechincha de vou então procurar nas prateleiras de Jazz por Hard Bop. Mas… concentra-te rapaz, concentra-te como um gang de tomates num frasco, como um grupo de turistas japoneses no elevador do Empire State Building. Concentra-te como um predador com o almoço à vista, concentra-te, concentra-te, concentra-te, concentra-te ou vai a casa buscar um taco de basebol em que escreveste Hard Bop Jazz e voltas aqui à loja para dar com ele em cheio no leitor de CD´s que não para de tocar desde que entraste, algo como Death Metal? Grind Core? Ou algo do género, do género massacre de bebés num infantário ou a matança de um porco em forma homeopática. A banda sonora de facto ideal para a famosa simpatia da rapariga atendedora de balcão. Nem nos olha de frente, e quando olha os olhos cospem fogo do inferno , o inferno do caldeirão medieval do Heavy Metal do qual saíram várias labaredas com nomes diferentes.

E tento concentrar-me no meu fogo que arde sem se ver, arde Bop, Hard Bop. Contraditoriamente a um sub-género de Jazz ao mesmo tempo que se pode definir como o som de Jazz clássico, embora não possua nenhum nome daqueles que todos conhecem mesmo sem gostar de Jazz sendo os seus nomes de topo Clifford Brown, Art Blakey, Horace Silver ou Lee Morgan. Contraditoriamente menos “hard” que o precedente “bebop” desenvolveu-se no Séc XX no pós Bebop, cresceu e atingiu o auge no final da década de cinquenta e década de sessenta. Recuperou o groove negro, bluesy, incorporou o groove latino e antecipou de certa forma o funk, e, muito importante, não era apenas som, mas um modo de vida e uma estética, a estética do final de 50´s e início de 60´s, e sempre vestidos com estilo, com a elegância modernista da época. Banda sonora ideal para o acto de “flâneur” pela cidade, ora mais acelerado ora menos, mas essencialmente a meio tempo, como deve ser a vida. Entretanto a “escavação” à procura de tesouros ambicionados leva à descoberta de um King Curtis e de um Freddie Hubbard, o que consegue acalmar a minha vontade de dar com o taco de basebol no hi-fi da loja. Saio para a rua e subo de novo a colina, volto a descer outra para depois subir uma, e mais outra, e finalmente descer a minha colina. Todos temos a colina que merecemos. Chego ofegante sem ar da caminhada mas feliz porque cheio de “ar de Bop”.

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