Transponho o portão de ferro preto rendilhado. O verde e o branco tornam-se os padrões dominantes: o da copa das árvores e do edifício que se nos apresenta sereno. O céu de tonalidade azul claro, o que não é muito frequente para esta altura do ano, ainda mais na cidade do Porto. Por isso mesmo, encontram-se reunidas as condições para uma tarde que recordo com um sentido de familiaridade que nem sempre me é comum. O que se adivinhava do exterior confirmou-se no interior. De imediato, um documentário. Vi-o e revi-o. De seguida sombras, tecidos e bordados tão característicos do seu universo. Tratava-se da exposição sobre Lourdes Castro e Manuel Zimbro que o Museu de Serralves teve a oportunidade de programar em Março de 2010.
2013. Desta vez em Lisboa, no Bairro Alto, na Rua da Atalaia. As linhas apaziguadoras do edificado, se bem que branco por aqui nem vê-lo, e uma serenidade que também é conferida pela mudez das ruas. Chegado ao número 31, deparo-me com uma porta que somente na aparência se pode considerar maciça. É feita de tecidos bastante variados, no padrão e nas cores, e diferente de todas as outras que conheço. Do lado direito, um espaço reservado à 10+10. Explicam-me que se trata de um projecto de quatro jovens designers nacionais: Ana Sargento, Graziela Sousa, Helena Redondo e Nuno Nogueira. O que mais me impressiona é o carinho com que nos tratam. Um “nós” verdadeiramente inclusivo. Consumidores, potenciais consumidores, e no meu caso, meramente curioso. Em cada etiqueta, informação detalhada sobre o custo do tecido utilizado e do tempo que cada um despendeu na respectiva execução. Trabalho a oito mãos em sincronia perfeita. A terceira apresentação de 10+10 irá decorrer este fim-de-semana, na ModaLisboa, no espaço Wonder Room - Cabinet of Wonder. Se me permitem a ousadia: atrevam-se a cruzar a porta, não darão o tempo por mal empregue.
Entre estrelas, sardinhas e bacalhaus pendurados, em tecido pois então, aproximo-me de uma mesa ampla. Não soubesse onde estava e julgar-me-ia num jardim, tal a luminosidade que entra pelas longas janelas e pela fluidez com que a conversa se desenrola. Elucidam-me sobre as actividades desenvolvidas pela Associação Artística 31 d'Atalaia (http://atalaia31.com). Os workshops são de tal forma estimulantes que terei muita dificuldade em escolher. Acredito que será bem mais complicado que coser um botão. E creiam-me, tardo uma eternidade em fazê-lo. Para terem uma pequena ideia há oficinas de crochet, clube de tricot, iniciação à modelagem, de teoria da cor, desenho para moda, de reciclagem de roupa e iniciação à costura. Os mais procurados são os dois últimos. Numa época em que o diy (do it yourself) se difunde como conceito programático pretende-se que o processo de aprendizagem seja gradual e o mais abrangente.
O incentivo não está em encontrar o artigo mais barato. Está em saber fazer. Ao mesmo tempo que se corta na parcela dos custos, evitando ter de pagar a terceiros, aumenta-se a de ganhos potenciais, uma vez que há a possibilidade de vender, na loja, as peças realizadas durante o(s) curso(s).
Tal como em Serralves, fui convidado a procurar o que se encontrava por detrás de cada linha, de cada costura. Fico com a sensação que daqui a uns anos relembrarei esta tarde com a mesma familiaridade que a de Março de 2010.