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Na verdade a linha de madeira definida pelos tampos das mesas, essa linha só, faz-se da linha do horizonte, mascara-se e apresenta-se descida na nossa visão, tal como também na realidade, em que a primazia dada nas palavras, nas conversas, nos olhares e pensamentos, na troca, é não ao interior, ao subterrâneo subjectivo e específico portanto rico, ás águas profundas que circulam entre os pilares de madeira que suportam esse horizonte fixo, ao estruturante suporte; mas sim ao mais acessório, ao mais fácil, ao mais acessível, e que também é sempre o que melhor funciona no social pobre e oco em que tantas coisas cabem e se fazem.

Até as coisas mais simples dentre as importantes, e talvez essas sobretudo, pedem uma abrangência de perspectiva para se declararem, para se perceberem, para se mostrarem. O olhar recto a direito revela isso e só isso: rectas a direito. Estreitas ou estreitadas quase sempre. Aqui se mostra que o verdadeiro ouro se esboça na partida início para o duo, para o dueto, para a ponte; portanto let´s talk, claro. Ainda que o silêncio impere ou que a conversa seja a impossível.

Esta simplicidade e abrangência, união pertinente e rara no que eu vejo, quando se consegue ou surge na arte é o seu cume que se vislumbra, é a sua natureza primeira que se nos mostra, é essa arte a sussurrar-nos em grito segredos surdos do que seremos, do que deveríamos, da cor que temos.

JOSE_BECHARA,_Casa_amorosa,_2008

Há ondas que se levantam neste horizonte como num mar, duas cadeiras ondas maiores que se abrem mostrando também o acesso breve ao profundo, ao interior, ao âmago, à estrutura quente onde circula o que somos e o que elas são; oposto ao superior onde se mostra e se mexe o parecer, esse disfarce tantas vezes armadilhado em que nos fazemos para não cairmos, buraco ao contrário a que nos agarramos pendurados na vida, sobrevivida.

São estas as cadeiras ondas que falam, que se esticam, que se puderem também gritam para se ouvirem, no mar que altera tonalidades na madeira, a espuma, elas oblíquas entre si pois que o frente a frente que importa não é nada literal.

Se se pudesse ver ou virar a Obra ao contrário ver-se-ia como a riqueza e a complexidade se substituiriam ao desértico dos tampos das mesas, em que nada repousa, que nada seguram, onde nada acontece. Ver-se-iam então as pernas fixas no ar como lanças prestes a voar ou estacas que partem do horizonte chão, mastros ao vento ainda sem vela, as tábuas cruzadas a segurar os tampos enriquecidos agora, as cadeiras debaixo realçando outra forma ali plantada, quatro braços pernas vivos no ar em cada uma.

Preta-com-verde

Nesta Obra como na Vida é preciso dobrar o corpo para ver, perceber e sentir essas fontes mais fundas de onde escorrem assim os tais fios suporte, a madeira em que se apoia o horizonte acima do qual assenta depois o alvo, o céu azul, o objectivo chegada, e nele recortadas as casas, as árvores, as estradas e algumas pontes, o material concreto, a sombra mais escura na retina azul, também o resto acessório, ele todo. Tal como na carta o dependurado do tarot Rider-Waite, em que forçado a uma pausa, forçado a ver o mundo ”de pernas para o ar”, obrigado á cambalhota, o sujeito se ilumina depois descobrindo outros caminhos, novas paisagens, outros pertinentes percursos num novo avançar, também em direcção a si próprio, ao seu futuro ...

Queria ver a Obra ao vivo, viva, à minha frente, ao que parece apertando o observador mais ou menos contra o espaço que a circunda, mais uma vez como a vida claro, mais uma vez como a paisagem, urbana ou natural, como o esmagar de estar vivo a pedir as tais cambalhotas nas escolhas, nas grandes e aguçadas escolhas, nos belos e pequenos momentos, em todos os dias da vida.

Arte

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