Day 1
Para os menos esclarecidos, o nome associado à ModaLisboa deste ano vem do interior das mágicas páginas de Lewis Carol, de Alice no País das Maravilhas. Acabou por ter mais impacto em mim do que esperava, pois acabei por me sentir um pouco nos sapatinhos da Alice e tornar-me eu mesma na sua versão morena. Comecei a minha viagem bem dentro do "Rabbit Hole" ao observar de perto a decoração do interior da nossa Câmara Municipal de Lisboa. Já lá tinha estado mas achei mágico a mistura do antigo com o novo, do clássico com a actual mistura de talentos que o LAB proporciona, imaginando de certa forma os belos quadros neoclássicos e renascentistas a observarem os mais jovens criadores a preparar a moda do futuro.
Os desfiles que ocorreram no LAB deste Outono/Inverno 2015 foram Olga Noronha, Catarina Oliveira, Ricardo Andrez, Awaytomars e Nair Xavier. Achei os desfiles, no mínimo, inspiradores. De Olga Noronha retirei a criatividade para transformar as vísceras, músculos, artérias e articulações do corpo humano como arma decorativa às peças em tons pele providenciados para completar a colecção, algumas cortadas na hora de baixo das luzes douradas da sala dos Paços do Concelho. Catarina Oliveira ofereceu uma colecção constrangida e estruturada em verdes e azuis nude, bem como alguns tons outonais. Nair Xavier repetiu os mesmos tons e provou novamente a força do outerwear (como já tinha feito na colecção de Primavera/Verão 2015 com os seus casacos de chorar por mais), caracterizados pela força e sobriedade de construção. Enquanto Awaytomars nos providenciou uma colecção misturada de neutros, monocromáticos e padrões caoticamente coloridos, Ricardo Andrez usou os seus modelos andróginos para fazer sentir a incerteza da palete, neutros e silhuetas marcantes. Finalmente e fora desta plataforma estava Valentim Quaresma que, como sempre, prima pela criatividade, inspira qualquer bom sonhador com um par de olhos e um sentimento criativo mais activo, misturando o que, para mim, eram sonhos e pesadelos, mitologia e simbolismo e até uma luta pessoal contra a própria criação.
Enquanto navegava no meio dos diversos backstages e me envolvia no meio do frenesim de tudo, senti-me de certa forma a ficar "Curiouser and Curiouser" que, numa tradução mais actual diria "Stranger and stranger". No frenesim de tudo (provavelmente aumentado pela ambiciosa passarela desta estação) dei por mim a ansiar quando os modelos não chegavam à entrada da passarela a tempo, ou não tinham quase tempo de trocar de roupa. Dawid Tomaszewski era um dos designers convidados e trouxe um outono camel, bege e cinza, suave e passageiro como a primeira rajada de vento de Setembro (os tecidos eram tão lindos que nem a câmara nem os vídeos conseguem registar melhor que os olhos). Luis Carvalho replica os tons mas traz maior saturação com mostradas e beges e sugere um Outono/Inverno com cor, assumidamente contrastante com os pretos de cortes fora da caixa.
Passado o caos ficou uma estranha emoção. Senti no final do primeiro dia uma enorme realização pessoal por ter conseguido assistir a tudo sem me envolver, sem tentar ajudar (de boas intenções está o inferno cheio) e de não ser assaltada até chegar a casa (os desfiles atrasaram pelo menos hora e meia, fazendo que chegasse a casa, de transportes, à 1:30 da manhã). Fecha o primeiro dia Dino Alves com a sua colecção apelando à dicotomia de uma saturação acentuada e de um preto carregado. Fez-me lembrar as belas Nazarenas que, vestidas de preto e de pesar, poderiam sentir alguma inspiração nos dias futuros, talvez com alguma cor e alguma alegria (uma bela mensagem para todos os que não se sentem coloridos).
Day 2
O segundo dia começa, igualmente frenético. Estou ansiosa por Alexandra Moura. Desenvolvi uma espécie de fascínio pela marca e pela criatividade da criadora que me deixa um "stalker feeling" pelo trabalho que desenvolve em todas as estações. Assisto a Ricardo Preto e maravilho-me com a geometria dos cortes, as peças de sonhos e as botas de deixar a Carrie Bradshaw a salivar por mais. Gostei tanto do desfile (e ainda sonho com as botas) que tive de dar os meus parabéns ao criador, ainda de olhos húmidos pelo provável sentimento de realização.
Mas eu ambicionava Moura, que não desapontou. Entre os pretos, os brancos e o azul claro foi, para mim, a colecção mais criativa. Eu queria ser a pessoa daquelas peças, daquelas silhuetas ousadas, daquelas camadas e volumetrias invejosas. Mas eis que, para meu breve deleite, surgem modelos com chapéus únicos cheios de personalidade. Será Alexandra o Chapeleiro do meu País das Maravilhas? Por breves momentos a ideia passou-me na mente.
Miguel Vieira presenteou, com a luxúria, peças invejáveis e tecidos nobres. A juventude das silhuetas lutam contra o glamour dos tecidos de outros tempos, ilustrando um cliente moderno e elegante. Ainda neste segundo dia, Aleksandar Protic (aliado à Samsung) ilustra as peças em tons de prateados, brilhos, pérolas, pretos e brancos, combinando formas geométricas com a fluidez e os drapeados, e passando uma ideia de Inverno leve e romântico.
Após algumas conversas com antigas modelos da revista, antigas modelos com quem trabalhei e até new faces que vi nascer na moda, deparo-me com a minha Rainha de Copas. Depois de falarmos e de diversas explicações, ficou bem claro um "off with her head!" (sem possibilidade de qualquer julgamento, advogados e provas!). No final desta conversa menos produtiva, Carlos Gil apresenta a sua colecção, inspirada no poquér, e qual não é o meu espanto (coincidência?) quando nas peças se vêem os naipes das cartas, do qual Copas não tinha ainda saído da cabeça.
Day 3
Recta final, terceiro dia de passarela de Outono/Inverno 2015. De Filipe Faísca celebro os detalhes, a ambição na saturação das cores (azul e laranja) e nos padrões criativos e mágicos. Levou-me à infância com os desenhos (tanto em branco no preto como em preto no branco). Sublinho igualmente as collans Wolford que, paralelamente aos instintos de criança, despertaram em mim algo bem oposto. Kolovrat completou as suas peças de linhas clássicas com detalhes criativos e irreverentes, texturas curiosas e adornos fora do comum, erguendo a voz do seu tema Micro e Macro. Saymyname procurou a criatividade nas peças já standard na marca, recuperando as malhas, bolsos gigantes e criando a opção de vestidos mais justos. Os detalhes mais evidentes providenciam a componente desportiva aos conjuntos mais sofisticados e alguma identidade aos looks mais casuais.
Nuno Gama optou pelo patriotismo e levou para a passarela detalhes dinásticos e monárquicos, aliado a uma elegância nas peças e a uma sofisticação digna de Camões himself! A colecção Lusíadas contou ainda com a participação de 2 falcões, 2 cães e um mocho (com quem já tinha tido o prazer de alguma intimidade) que decidiu virar a cabeça para baixo no meio do desfile. Fecha esta ModaLisboa o criador Pedro Pedro com uma colecção bastante outonal, com silhuetas fora do comum, conforto, elegância e identidade. O que mais me cativou foi sem dúvida as peças em tons de mostradas, alaranjados e rosas dessaturados. Adoro os tons e sonhei automaticamente com os belos quadros de natureza morta de Pieter Claesz ou Abraham Van Beijeren.
Batem-se as palmas, despedem-se as pessoas e todos sorriem de satisfação por mais um ano terminado de frenesim, contentamento e alguma (muita) loucura. Limpam-se as mesas de maquilhagem, arrumam-se as roupas de sonho e as modelos voltam a ser as pessoas normais que sempre são. Segue-se a festa "afterparty" mas como era o meu desaniversário (se não sabem o que é, recomendo que procurem on-line) decidi recusar os diversos convites e seguir para a minha margem. Despedi-me do "meu" Cheshire Cat que tinha frequentemente um sorriso para dar, dos novos amigos (antigos do facebook na verdade) e da própria Rainha de Copas, seguindo o meu próprio caminho. Enquanto deixava para trás as ruas desertas de Lisboa (pois era domingo) e entrava no silêncio da minha margem, ficaram para trás as associações ao romance de Carol e à minha própria interpretação dos desfiles desta estação. Disseram-me para não pensar muito nisso, mas acho que não o consigo fazer, serei talvez tão louca como os personagens que me surgiram no mundo das Maravilhas (ou provavelmente ainda mais).
Final remarks:
– Todas as modelos que inicialmente não me reconheceram e pareciam a verdadeira lagarta fumadora que perguntava "who are you?"
– Certas flores que precisavam mesmo de aprender algumas maneiras.
– Crescer rapidamente por digerir pequenos recados não é solução. Mesmo que os recados venham da forma mais doce!
– Nadir Tati que mostrou a sua mistura europeia e africana em vestidos sonhadores e diversificados.
– Os inacreditáveis designers do Sangue Novo que merecem eles mesmos a sua própria crónica.