MÚSICA

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Barcelos é já aqui ao lado... é o que se pensa quando se vai ao Milhões. Mas para quem vive em Lisboa ainda são uma horitas de caminho que serve como uma mini preparação para uns dias bem catitas no norte. A paisagem enche-nos os olhos de verde, a luz fica mais clara e a temperatura baixa. "Parece-me que as pessoas no norte sorriem mais" comento com os meus amigos. Uns concordam, outros não, depois de algumas teorias e pontos de vista que faziam sentido (e outros que não faziam nenhum) não chegámos a nenhuma conclusão em relação à felicidade superior dos nortenhos... mas em uma coisa concordámos todos, o Milhões de Festa é mega.

M.Takara fez-me lembrar uma espécie de cyborg combinado com ritmos e sons matemáticos que simplesmente não cabiam nos quadrados dos cadernos. Tirei o meu bloco de folha lisa do saco e aí tudo fez mais sentido. Concerto imprevisível, mas sempre a bater certo, a sua expressão foi interactiva e sensorial, sempre acompanhada dos mais diversos dispositivos electrónicos. Sequenciadores, samplers, mesas de efeitos, tudo alinhado de forma desalinhada para compor abordagens sonoras de samba natural e pulsar tropical.

Baoba Stereo Club apareceram em formato de trio e usaram as cordas, a precursão e as teclas para pintarem quadros vivos de quotidianos do jazz e de um ou outro som experimental. A energia transmitida foi sentida com a proximidade de uma banda de São Paulo que passa muito tempo em Portugal e assume a paixão pelo nosso rectângulo como uma das fontes de inspiração na criação das músicas.

Os Riding Pânico, grupo português pós-rock instrumental, editam esta semana o segundo álbum, Homem Elefante, “mais melódico, imediato e directo”, com o qual reafirmam que não precisam de voz para se fazerem ouvir. Encheram a piscina de post-rock bronzeado pelo sol. Os riffs contrastaram com os fatos de banho flashy e cabeleiras pop que deambulavam pela piscina.

E num abrir e fechar de olhos estávamos no Lux ou numa outra qualquer noite de clubbing com um house apetitoso a subir e a nos fazer mexer os mojitos para o gelo derreter mais depressa. Chapinhar na piscina a simular uma aula de hidroginástica também foi uma opção válida, porque ao som de Ramboiage dançar é quase como um impulso nervoso.

O dia estava em pleno lusco-fusco quando os Jambinai surpreendem com ruídos metálicos de guitarras estridentes, em comunhão com o arco “haegeum”, a cítara “geomungo” ou mesmo o sopro “piri” (sim, sim andei a pesquisar os nomes daqueles instrumentos meio loucos). Foi pesado e leve ao mesmo tempo... a música dos sul coreanos tanto nos fazia estar numa onda de post-rock como logo de seguida a ouvíamos um excerto de um concerto de música clássica.

Entretanto a noite chegou sombria e tomou a forma de Chelsea Wolf. Vieram-me à cabeça imagens de rituais satânicos em paisagens de florestas acabadas de arder (e eu sem espantas espíritos) e até um ou outro excerto de Game of Thrones. A voz é espectacular (mesmo ao vivo) e o instrumental encorpado, mas na minha humilde opinião o timming não foi o melhor e a uma altura em que apetecia sentir alguma energia e cumprimentar a noite de forma calorosa, ouvir a irmã mais nova da Zola Jesus apesar de todo o seu sumptuosismo noir não 'caiu que nem ginjas' :^)

"Tropicalismo psicadélico"

Li esta descrição sobre os Boogarins em vários meios e achei estranho todos usarem exactamente as mesmas palavras para descreverem o som agridoce destes quatro amigos músicos brasileiros. A referência ao Revolver dos Beatles também é uma ideia comum em vários textos e percebe-se bem o porquê quando se houve o tema Lucifernandis e se dança ao sabor dos psicotrópicos das guitarras e das vozes envolventes. A energia que se sentia no ar já era forte, dançava-se, pulava-se e ria-se à gargalhada com os amigos e pessoas acabadas de conhecer… para mim é assim o milhões. Não é só a música que nos entra de forma meio esquizofrénica, pois ora ouve-se rockalhão da pesada e damos todos à cabeça com ou sem cabelos compridos, como é a envolvência calorosa e boa onda que se faz sentir nas margens do Cávado e nos leva ano após ano a rumar até Barcelos e falar com sotaque nortenho por uns dias. Por momentos julguei estar nas urgências de um hospital quando no palco entre instrumentos, luzes e fios surgem indivíduos vestidos com batas verdes de médicos… era quase, mas não. Os Fumaça Preta que eu saiba ainda não se dedicaram a intervenções cirúrgicas, eles 'apenas' se dedicam a fazer o pessoal abanar a cabeça ao som de uma fusão de rock com um pezinho de samba. Nas músicas e entre elas iam gritando ora palavras de ordem, ora gritos que se confundiam com as guitarradas com sabor a betadine.

Funeral é uma palavra muito forte...

Despedida é mais simpático e foi isso que os Vicious Five fizeram bem ao seu estilo claro e com muito power. O punk esteve em cima da mesa, assim o afirmou Joaquim Albergaria, que disse ser mais punk a dormir que todos os presentes, ou alguns. Tudo isto fez sentido ao som de Up on the Walls e Sounds Like Trouble, e Stage Diving mais para o final.

Confesso que senti um arrepio quando os Sensible Soccers começaram a tocar. Afirmo isto com um sorriso nos lábios, pois sou suspeita porque sinto um carinho especial por esta banda que acompanho desde os primeiros singles. As canções têm amadurecido e ficado mais encorpadas, mais originais e quiçá inteligentes. É a sensibilidade que os une e transmitem-na em cada concerto que dão, onde nos levam por viagens ora de nostalgia ora de futuro próximo. Embalados pela dança semiótica dos SS, o pessoal estava mais que preparado para Baris K que transformou por momentos os galos espalhados por Barcelos em mesquitas e as cervejas em chá. Com malhas de um tecido complexo, o produtor turco transforma-as e globaliza-as com uma única vontade: a de provocar a dança.

E ainda com a memória fresca da boa onda que o Milhões é, digo só, até para o ano :^)

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