Edgar Mosa é um jovem joalheiro português que actualmente reside em Nova Iorque. No próximo dia 19 de Setembro inaugura na galeria Reverso em Lisboa a exposição Adj. Derma, a sua primeira individual em Portugal. O seu trabalho, de formas ambíguas e dimensões arrojadas, pode suscitar a já velha (gasta) questão de O que é a joalharia?, mas não pode deixar ninguém indiferente ao seu sentido estético e artístico. Razão porque valerá a pena não perder esta exposição.
Tens 27 anos e um currículo invejável que começa em 2001 na António Arroio. Queres falar um pouco deste teu início de percurso?
Apareci na António Arroio em busca de uma educação vocacionada em artes, e o dinamismo da vida de Lisboa, tendo crescido nos subúrbios onde a oferta artística era escassa. Inicialmente inscrevi-me em design industrial, mas ao perceber que envolvia maioritariamente trabalho computorizado, apressei-me a escolher algo mais manual, que trabalhasse o corpo, e com o corpo.
E como surge a Rietvelt (Holanda) e posteriormente a Cranbrook, (EUA) duas das mais prestigiadas escolas de arte a nível mundial?
Surgem por sugestão dos meus mentores, e um apetite de viajar, e conhecer quem posso ser em arquitecturas e culturas diferentes. Edgar em Holandês é experimental, Edgar em Inglês (americano) é inconformista; em português será sempre romântico.
Consegues fazer um paralelo entre estas duas escolas? O que mais gostaste em cada uma delas?
Um paralelo bem acentuado. São academias que tem uma filosofia muito semelhante. A Rietveld funciona sem aulas, só com pratica e criticas de trabalho. As oficinas são minimamente abastecidas de maquinetas e não há instrução alguma em termos de técnica – o que queres aprender, procura como o fazer – o que propicia ao aluno uma oportunidade incrível de autonomia e devolução de contactos de acordo com os seus interesses específicos. Após uma educação assim, que foi brilhante, não me vi capaz de seguir um mestrado que oferecesse aulas, tanto que a Cranbrook se mostrou ideal no seu programa, proporcionando ainda uma isolação absoluta para trabalho concentrado e intensivo.
Quando te conheci, em Munique, na Schmuck de 2010, já tu estavas na Cranbrook Academy em Detroit e lembro-me que fizeste referência ao isolamento que sentias... Foi difícil a adaptação?
Paula, conheces o ditado quanto mais me bates mais gosto de ti? Foi tal e qual. A mudança de Amesterdão para Detroit foi um choque a nível social a nível de estilo de vida. Tudo, tudo mudou. No entanto se voltasse atrás faria exactamente o mesmo. Aprendi muito, muito mesmo, além do meu trabalho, de mim mesmo. Foi um sitio onde pude despir a ideia de quem eu era, revestida de influencias e interesses que vim a aperceber não ser de escolha pessoal, e que eu nem sequer gostava. E acho que isto se reverte no trabalho também, que se tornou mais terreno, humm.. literalmente.
Como é o dia a dia de um aluno, ou como era o teu dia a dia numa escola destas?
Cama, estúdio, oficinas, estúdio, uma volta pela floresta, cortar uma árvore abaixo, estúdio, cama. Umas refeições pelo meio. E para os alunos que não tinham bolsa de estudos como eu tinha (sendo recipiente da Bolsa Gulbenkian), ainda trabalhavam para a escola reduzindo o custo das propinas. Eu trabalhei de voluntário nos arquivos da escola, arquivando correspondência e planos arquitectónicos de George Booth e Eliel Saarinen. Foi um estudo incrivelmente intenso. Esse ano somente 75 alunos foram convidados a estudar e viver no campo escolar que providencia estúdios privados, workshops bem abastecidos, um museu de arte e trezentos hectares de florestas lagos e riachos, quais acabaram por se tornar os meios para a maior parte das minhas jóias. Sendo assim que à roda do meu trabalho, tinha uma oportunidade de trabalho infinita.
E a relação professor/aluno? Como professora que fui estes assuntos interessam-me sempre muito...
Hoje em dia uma das relações mais emocionais que tenho com alguém é para com a Iris Eichenberg, que conheci e foi minha mestre por um ano na Rietveld qual deixou para ser directora de curso na Cranbrook. Foi por isso que segui de uma academia para a outra, seguindo esta mulher que é de uma personalidade única, e tem uma estética afectiva e destemida. Na Cranbrook os professores vivem no campo escolar, desenvolvendo uma proximidade para com os alunos que é pouco encorajado na maioria dos meios escolares. Para mim funcionou, mas reconheço que não é para todos.
A madeira é um elemento constante no teu trabalho. É um material orgânico e quente como o dourado quase obsessivo com que cobres o metal. Porquê estas opções?
Entre aqueles que me conhecem um pouco melhor já não é segredo de que sou profundamente atraído à maioria das coisas que detesto. Tanto como a necessidade da palavra subsistência. Trabalho muito do lixo, algo que se tornou mais óbvio após o projecto que fiz no Nepal, onde lixo não existe, tudo se transforma. Uma realidade que me parece tão natural que desde então trabalho com aquilo onde vejo potencial que mais ninguém vê. A maioria da madeira que uso vem de árvores mortas que deitei abaixo, e mobília descartada nas ruas de Nova Iorque e Brooklyn. O ouro aparece como uma relação de opostos; de simbologia (como a referencia á aliança de casamento); e somente por ser uma combinação irresistível, puxando a cor magnifica da madeira, e reflectindo literalmente a transparência e linhas de idade que esta oferece. E assim saboreio estas marcas de envelhecimento, mas com um julgamento confuso entre requinte e repulsão, não estando certo se estou mais interessado em preservar a erosão, ou providenciar superfícies limpas, vulneráveis ao estrago, dispostas a levar o que quer que o tempo traga.
E a escala? A maioria das tuas peças são colares ou pendentes de grande dimensão. Não te imagino a fazer um anel...
Penso que em parte o material que tenho usado tem influenciado o estado final dos trabalhos. Não gosto de usar material só por si, gosto de pensar nas formas de que estes são provenientes para que no final os resultados contem também histórias daquilo que outrora foram. Imagina como seria, um colar, quando de uma árvore é proveniente...
Influências? Autores que mais admiras?
Ultimamente tenho achado varias referencias literárias, em termos de enquadrar o trabalho no mundo, em forma de apresentação, e o que quero que ele faça, e aquilo que ele faz por si mesmo sem eu poder manipular. Por exemplo, as obras de Anne Carson, nomeadamente a sua prosa em verso, dá-me adrenalina e excitação, de que trabalho controverso encontra, na sua fala confusa, aqueles que o compreendem. Ou que vêem algo nele tão pessoal quanto aquilo que eles próprios não conseguem exprimir. Penso ser esse o nosso trabalho como artistas, falar pelos outros, dizer ao universo algo pessoal.
Neste momento, finalizaste os teu estudos e estás a viver em Nova Iorque onde já fizeste várias exposições. Projectos para o futuro?
Em Nova Iorque fiz uma única exposição recentemente, designando o trabalho como joalharia contemporânea, que é raro, se não inexistente na cidade. Ela existe, mas mutada e dividida entre sectores que são mais acessíveis, como a moda, o design e o artesanato. O meu plano presente, e que dará pano para mangas, é tentar estabelecer um terreno sólido para a joalharia contemporânea emergir e ser consumida na grande metrópole. Penso haver muito mercado e toda a gente passa por NY, só não há conhecimento ou divulgação furtiva na cidade em si. Não sei bem o quanto posso fazer, mas tenho planos alinhavados e ideias muitas. Para já, continuo com a minha prática, continuo a ensinar e a gerar planos maquiavélicos para que tudo possa funcionar.
Inauguração 19 de Setembro de 2013 pelas 19 horas
Às 18:30 Edgar Mosa falará sobre o seu trabalho
Galeria Reverso das Bernardas
Rua Esperança, 61 – 1200 Lisboa